Os efeitos do aquecimento global têm sido sentidos no mundo todo e nos últimos anos, cientistas ao redor do mundo têm buscado soluções inovadoras para combater esse grande problema dos nossos tempos.
Um dos métodos mais promissores para combater o aquecimento global, embora polêmico, é a fertilização dos oceanos com ferro. Essa técnica, chamada geoengenharia por fertilização oceânica, tem o potencial de ajudar a remover grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera. Contudo, ela foi deixada de lado por mais de uma década devido a críticas e preocupações com seus impactos ambientais. Agora, um novo consórcio de pesquisadores pretende reavaliar essa abordagem e realizar novos testes para entender melhor seus benefícios e riscos.
A fertilização oceânica com ferro é um método baseado em uma ideia simples: fornecer nutrientes, no caso o ferro, para áreas do oceano que são naturalmente pobres nesse elemento. O ferro é crucial para o crescimento do fitoplâncton, pequenos organismos que vivem na superfície dos oceanos e realizam fotossíntese, absorvendo CO2 da atmosfera. Quando esses organismos proliferam, eles podem retirar grandes quantidades de carbono do ar e, após completarem seus ciclos de vida, parte desse carbono é transportada para as profundezas do oceano, onde permanece por longos períodos.
Essa técnica foi testada algumas vezes nas décadas de 1990 e 2000, mas foi interrompida devido à falta de dados conclusivos e a uma crescente preocupação pública com a manipulação de ecossistemas marinhos. O ponto culminante do debate ocorreu em 2012, quando um empresário americano despejou 100 toneladas de pó de ferro na costa do Canadá, gerando uma forte reação negativa tanto de ambientalistas quanto de governos. O episódio reforçou as críticas de que alterar os processos naturais do planeta poderia resultar em consequências inesperadas e potencialmente perigosas.
A controvérsia vs. Aquecimento Global
Apesar da controvérsia, um grupo de 23 cientistas do consórcio Exploring Ocean Iron Solutions (ExOIS) está se preparando para retomar os testes de fertilização oceânica. O objetivo é lançar novos experimentos em uma área de até 10 mil quilômetros quadrados do Pacífico Nordeste, possivelmente já em 2026. A ideia é avaliar com mais precisão o quanto de CO2 poderia ser efetivamente sequestrado nas profundezas do oceano e como essa intervenção poderia impactar os ecossistemas marinhos, exercendo algum efeito no aquecimento global.
O ExOIS planeja realizar uma série de monitoramentos detalhados para garantir que o processo seja o mais seguro possível. Diferente dos experimentos anteriores, que muitas vezes falharam em acompanhar devidamente os efeitos ambientais, esse novo esforço promete uma vigilância constante, tanto por meio de tecnologias de rastreamento, como o uso de drones submarinos e flutuadores, quanto pela observação de imagens de satélite que capturam o aumento de fitoplâncton na superfície do oceano.
Além disso, para garantir que a dispersão do ferro seja rastreada com precisão, os pesquisadores pretendem adicionar um marcador inerte, como o hexafluoreto de enxofre, à solução de sulfato de ferro. Isso permitirá monitorar como o ferro se dispersa na água ao longo do tempo e quais são as suas reais implicações no ecossistema local.
A principal motivação por trás desse projeto é a crescente necessidade de reduzir drasticamente as concentrações de CO2 na atmosfera para evitar os efeitos mais graves do aquecimento global. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta que, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, será necessário remover bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera.
O oceano já é um dos maiores reservatórios de carbono do planeta, contendo muito mais carbono do que plantas, solos e outros sistemas terrestres. No entanto, a capacidade de absorção do oceano pode ser ampliada por meio da fertilização com ferro, acelerando o chamado “bombeamento biológico de carbono”, colaborando no combate ao aquecimento global. A expectativa é que, ao aumentar o crescimento do fitoplâncton, essa técnica possa remover uma quantidade substancial de CO2 da atmosfera, contribuindo para a mitigação das mudanças climáticas.
Embora a fertilização com ferro ofereça um grande potencial contra o aquecimento global, também traz uma série de incertezas e riscos ambientais. Alguns experimentos anteriores mostraram que o resultado nem sempre é o esperado.
Em um teste realizado em 2009, por exemplo, zooplânctons de maior porte consumiram grande parte do fitoplâncton, o que impediu que o carbono capturado fosse efetivamente transportado para o fundo do oceano. Em outro experimento de 2006, houve um florescimento de espécies de fitoplâncton tóxico, levantando preocupações sobre o possível impacto de zonas mortas, áreas onde a proliferação excessiva de algas consome todo o oxigênio da água, sufocando outras formas de vida marinha.
Outro risco é o “roubo de nutrientes”. O fitoplâncton, ao crescer de forma descontrolada em uma região fertilizada, pode esgotar outros nutrientes essenciais, como o fósforo e o nitrogênio, que seriam necessários para outros organismos em outras áreas do oceano. Isso pode gerar desequilíbrios nos ecossistemas marinhos e prejudicar a biodiversidade local.
Além disso, o armazenamento de carbono nas profundezas do oceano ainda é um fenômeno pouco compreendido. Os cientistas ainda sabem muito pouco sobre os ecossistemas de águas profundas e como a adição de carbono poderia alterá-los a longo prazo.
Estudos recentes sugerem que adicionar entre um a dois milhões de toneladas de ferro nos oceanos a cada ano poderia capturar até 45 bilhões de toneladas de carbono até o final do século, o que é algo importante a ser considerado diante dos problemas com o aquecimento global. No entanto, essa prática poderia reduzir a biomassa marinha em até 5%, afetando áreas pesqueiras importantes no Atlântico, Pacífico e Índico. Além disso, somada à perda de biomassa já prevista devido ao aquecimento global, essa técnica pode representar um desafio significativo para a biodiversidade marinha.
A fertilização oceânica, portanto, levanta uma questão central: até que ponto estamos dispostos a arriscar o equilíbrio de ecossistemas naturais em nome da luta contra as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global? Para muitos, os riscos ambientais ainda são altos demais, mas para outros, como o oceanógrafo Ken Buesseler, membro do ExOIS, as alternativas são limitadas. Ele argumenta que pequenas alterações no ciclo biológico dos oceanos podem ser um preço aceitável para evitar os impactos catastróficos do aquecimento global descontrolado.
Em suma, a fertilização oceânica com ferro é uma proposta ambiciosa que envolve manipular um dos maiores sistemas naturais do planeta. Embora ofereça uma possível solução para a remoção de CO2 da atmosfera, os riscos ambientais e as incertezas ainda são grandes para adotar esta medida como a melhor para combater os efeitos do aquecimento global.
O que é certo é que o mundo precisa de ações ousadas para combater a crise climática, mas cada passo nesse caminho deve ser cuidadosamente monitorado e debatido, equilibrando as necessidades urgentes com a preservação dos ecossistemas marinhos e terrestres. O futuro da geoengenharia oceânica dependerá, portanto, não apenas de seus resultados científicos, mas também de um diálogo global sobre os limites da intervenção humana na natureza para combater.
Fonte: Scientific American