Um macaco híbrido, muitas possibilidades para a saúde humana e muitas questões que vão além do otimismo.
Novas descobertas para a saúde humana se dão no avanço da ciência em diversos campos, e esses avanços geralmente surgem com uma série de desafios, além dos técnicos. Recentemente, pesquisadores conseguiram criar um macaco quimérico — um organismo composto por células de dois embriões geneticamente distintos.
Mais do que uma maravilha da biotecnologia moderna, este é um novo passo em direção a novas formas de estudar doenças humanas e a possibilidade de encontrar tratamentos inovadores, segunfo o biólogo de células-tronco Miguel Esteban, da Universidade da China.
O que torna este macaco quimérico particularmente especial é a proporção elevada de células que ele possui, provenientes de células-tronco doadoras. A pesquisa, detalhada na renomada revista científica Cell, sugere um futuro onde os primatas quiméricos poderiam ser usados como modelos mais apropriados para estudar patologias humanas, em comparação a roedores quiméricos que tradicionalmente ocupavam esse papel.
O processo envolveu a injeção de células-tronco extraídas de um embrião doador em um embrião receptor. As células-tronco têm a capacidade notável de se transformar em uma variedade de tecidos, o que as torna ideais para esse tipo de experimento. Um ponto fundamental para a equipe de cientistas foi a manipulação genética dessas células para emitir um sinal fluorescente verde, permitindo a eles o rastreamento da integração e do desenvolvimento das células doadoras.
A complexidade desse trabalho é imensa, pois demanda a sincronização do desenvolvimento de células-tronco de um embrião com outro, garantindo que elas cresçam e se desenvolvam em harmonia, – um desafio enfrentado pela equipe de pesquisadores, que precisaram minuciosamente os nutrientes e proteínas promotoras de crescimento no meio de cultura das células-tronco. Essas ações permitiram a criação de 74 embriões quiméricos que emitiam um forte sinal fluorescente.
No entanto, a taxa de sucesso da gravidez foi baixa. Dos embriões implantados em macacas substitutas, apenas 12 resultaram em gravidez, e somente uma levou ao nascimento de um macaco quimérico vivo. Esse único macho quimérico, contudo, teve que ser eutanasiado com apenas dez dias de vida devido a complicações de saúde, sublinhando a necessidade de aperfeiçoamento dessa abordagem e levantando questões éticas importantes.
O baixo índice de nascimento e os problemas de saúde do único sobrevivente sugerem que as células-tronco doadoras talvez não estivessem em perfeito alinhamento com o estado de desenvolvimento do embrião receptor, apontando para a necessidade de otimizar essa sincronia para garantir a saúde e a viabilidade dos futuros quiméricos.
O avanço da ciência a partir do macaco quimérico
Apesar desses desafios, o resultado foi um marco. Em média, 67% das células em 26 tecidos testados, incluindo cérebro, pulmões e coração, eram descendentes das células-tronco doadoras, com a glândula adrenal apresentando o mais alto nível de quimerismo — 92%. Estes números são significativos quando comparados com experimentos anteriores, onde apenas 0,1 a 4,5% das células dos órgãos eram derivadas de células doadoras, tornando-os inadequados como modelos para doenças humanas.
Existe a expectativa de que esta técnica possa ser usada para cultivar órgãos humanos em animais, como porcos ou primatas não humanos, o que seria uma revolução no transplante de órgãos. Imagine a possibilidade de eliminar genes responsáveis pela formação de um rim em um animal grande e introduzir células humanas para que um rim humano seja formado. Isso poderia resolver o problema crônico da escassez de órgãos para transplante.
Clica aqui para conhecer mais sobre a manipulação genética CRISPR, que permite que coração de porcos possam ajudar humanos.
No entanto, não podemos avançar sem considerar as implicações éticas dessa tecnologia. Se células humanas contribuíssem para o sistema nervoso, o cérebro ou células reprodutivas dos animais quiméricos, estaríamos pisando em um terreno complexo e delicado que desafia nossas noções de identidade e moralidade.
Essa pesquisa levanta questões que vão além da ciência. O quão longe estamos dispostos a ir na manipulação da vida para beneficiar nossa própria espécie? Quais são os limites éticos que devemos estabelecer? São perguntas que precisam ser debatidas por cientistas, filósofos, e pela sociedade como um todo.
Este macaco quimérico representa um passo em direção ao desconhecido, cheio de possibilidades, tanto promissoras quanto preocupantes. Como sociedade, devemos acompanhar de perto estes desenvolvimentos, equilibrando nossa curiosidade e sede de conhecimento com uma consideração cuidadosa das implicações morais de nossas descobertas científicas. Afinal, a ciência não existe no vácuo, ela é uma extensão de nossos valores e escolhas coletivas.
Portanto, ainda que haja um avanço significativo com a criação deste macaco quimérico, o diálogo entre ciência e ética dá os contornos dessas novas descobertas da biotecnologia em favor da saúde humana.
Fonte: Nature