O fascínio pelos tiranossauros não é novidade. Agora a paleontologia finalmente desvendou um mistério que há décadas instigava a comunidade científica: o que realmente constava no cardápio de um dos maiores predadores que já habitaram nosso planeta, o tiranossauro. Recentemente publicado na revista Science Advances, este estudo nos mostra um pouco da dieta desses gigantes pré-históricos e também oferece pistas cruciais sobre seu papel nos ecossistemas da época.
A descoberta ocorreu no Dinosaur Provincial Park, em Alberta, Canadá, um verdadeiro paraíso para paleontólogos. Lá, Darren Tanke, um preparador de fósseis do Royal Tyrrell Museum of Paleontology, encontrou o que ele chamou de “a descoberta de sua vida”, se referindo aos restos fossilizados do conteúdo estomacal de um tiranossauro.
Antes dessa revelação, tudo o que sabíamos sobre a dieta desses animais era baseado em inferências – estruturas de crânios e dentes, marcas de mordidas em fósseis de herbívoros gigantes e análises de coprólitos (fezes fossilizadas). Agora, pela primeira vez, temos evidências diretas, encontradas no estômago de um jovem Gorgosaurus libratus, uma espécie dentro da família dos tiranossauros, que inclui o mais famoso de todos, o Tyrannosaurus rex.
O que os cientistas encontraram foram os restos de dois pequenos oviraptorossauros, dinossauros emplumados com bicos desdentados. A análise desses restos revelou que o jovem Gorgosaurus, que viveu durante o período Cretáceo tardio, há cerca de 80 a 66 milhões de anos atrás, tinha uma dieta que incluía esses pequenos dinossauros. O Gorgosaurus era uma espécie que passava por uma dramática transformação física ao longo da vida, crescendo até atingir o tamanho de um elefante e adquirindo dentes afiados como lâminas.
Analisando o crescimento ósseo, os pesquisadores concluíram que o tiranossauro deveria ter entre cinco e sete anos e que as presas tinham menos de um ano. A quantidade diferente de ácido estomacal gravado nos restos das presas indica que os animais podem ter sido consumidos em horas ou dias como refeições separadas.
O fato de a presa encontrada ser jovem, e de haver diferenças na quantidade de ácido estomacal gravado nos fósseis, sugere que os oviraptorossauros foram consumidos em momentos distintos, talvez em refeições separadas. Mais detalhes dessa descoberta também parecem apontar que oviraptossauros estavam entre as refeições preferidas dos tiranossauros jovens, que provavelmente não atacavam as mesmas presas gigantes, os megaherbívoros, que podiam abater quando adultos.
A equipe de pesquisa conseguiu identificar a espécie da presa como Citipes elegans. O estado de conservação desses fósseis era excepcional, ironicamente, graças ao estômago do tiranossauro que os protegeu. Essa descoberta é particularmente valiosa porque esses espécimes são extremamente raros.
A análise também sugere que o Gorgosaurus possivelmente desmembrava suas presas e selecionava as partes mais carnudas para consumo, possivelmente evitando outras partes menos apetitosas, como as penas. Essa hipótese se alinha com comportamentos observados em predadores modernos.
Outro aspecto fascinante dessa descoberta é a hipótese de que o Gorgosaurus, assim como algumas aves e crocodilos modernos, poderia ter um estômago com duas partes distintas para a digestão. Isso é sugerido pela diferente preservação das partes dos oviraptorossauros, indicando diferentes estágios de digestão.
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Hipóteses a partir do fóssil do jovem tiranossauro
Esta descoberta também apoia teorias sobre a evolução dos tiranossauros e seu sucesso ao ocupar diferentes nichos ecológicos ao longo da vida. Um mistério da paleontologia se concentra na mudança dramática nos ecossistemas do Cretáceo, onde, no final desse período, na Ásia e na América do Norte, predominavam apenas dois tipos de carnívoros: os imensos tiranossauros e os muito menores dromeossauros. A hipótese é que os tiranossauros conseguiram ocupar os nichos ecológicos que antes eram preenchidos por carnívoros de tamanho médio e grande, adaptando-se para consumir presas menores na juventude e evoluindo para caçar herbívoros gigantes na fase adulta.
Embora esse achado ofereça insights significativos, paleontólogos como Lindsay Zanno apontam que a dominância dos tiranossauros nos ecossistemas do Cretáceo tardio é uma história complexa, ainda longe de ser totalmente compreendida. Zanno ressalta que ainda há muito a ser explorado e que a comunidade científica continuará a investigar esses mistérios nos anos vindouros.
Uma morte precoce do jovem tiranossauro após aquela refeição acabou sendo uma sorte para a ciência que agora se vê diante da possibilidade de desvendar segredos guardados por milhões de anos. E com a paleontologia sempre avançando, podemos esperar mais descobertas emocionantes como esta no futuro.
Fonte: Scientific American