A depressão é um assunto muito complexo para a medicina e gera algumas frustrações para os especialistas ao tentarem analisar de fato o que acontece em um paciente com essa condição.
Atualmente, a depressão é majoritariamente medida por meio de relatos pessoais dos pacientes, uma abordagem que, como é de imaginar, apresenta suas limitações. Mas pode ser que haja uma perspectiva mais otimista com uma maneira objetiva de “mapear” a depressão no cérebro e realmente observar a evolução ou regressão do quadro.
Recentemente, em um estudo revolucionário publicado na Nature pesquisadores lançaram luz sobre terem conseguido usar a inteligência artificial para identificar um sinal cerebral ligado à recuperação da depressão em pessoas tratadas com estimulação cerebral profunda (DBS – deep-brain stimulation), uma técnica que consiste em implantar eletrodos no cérebro para entregar impulsos elétricos que alteram a atividade neural.
Em vez de confiar apenas nas palavras dos pacientes, que variam de pessoa para pessoa e dia para dia, os médicos poderiam, potencialmente, ter uma visão objetiva, clara e biológica do estado depressivo de alguém. Hoje, só com os relatos pessoais é muito difícil distinguir flutuações normais de humor para um depressão patológica.
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A inteligência artificial e o tratamento da depressão
Dentro deste estudo específico, dez pessoas com depressão grave, resistentes a tratamentos, foram submetidas a um dispositivo DBS especial, que não apenas estimula o cérebro, mas também mede sua atividade. Este dispositivo foi implantado em uma área específica do cérebro conhecida por regular o comportamento emocional, chamada de córtex cingulado subcaloso.
O resultado foi positivo, apontando que após 24 semanas de tratamento, nove dos dez participantes mostraram melhora significativa em seus sintomas e sete foram considerados em remissão.
Os pesquisadores empregaram modelos de inteligência artificial para decifrar os padrões cerebrais associados à depressão severa no começo do estudo. No final, treinaram o modelo para identificar padrões cerebrais que se mostraram presentes após um tratamento bem-sucedido.
Com a inteligência artificial foi possível identificar uma mudança distinta na atividade neural que pode distinguir entre estados de depressão e recuperação com uma precisão de mais de 90%. Isso é um grande feito, considerando a natureza muitas vezes nebulosa e subjetiva da doença.
Uma observação particularmente intrigante foi com um participante que apresentou boa resposta ao tratamento por quatro meses e depois teve uma recaída. Ao revisar os dados de gravação cerebral desse indivíduo, os pesquisadores notaram que o sinal de ‘recuperação’ havia desaparecido um mês antes da recaída. Isso sugere que, no futuro, os médicos poderiam ajustar o tratamento em tempo real, talvez evitando recaídas.
Mesmo com essas perspectivas positivas, a ideia de implantar eletrodos no cérebro pode soar algo estranho. No entanto, o verdadeiro potencial desta descoberta se estende muito além da técnica do DBS em si. Se conseguirmos identificar um sinal cerebral correspondente que possa ser medido por métodos menos invasivos, a descoberta poderia beneficiar um público muito maior e diversificado.
Ainda é preciso avançar com os estudos, aplicando a técnica em mais pessoas e aprofundando as questões biológicas presentes em um cérebro que apresenta sinais de recuperação.
Um dispositivo otimizado já está em testes. Diferente do que foi usado na pesquisa, este novo dispositivo tem aprovação dos órgãos reguladores dos EUA, o que pode acelerar o lançamento desses testes caso os resultados positivos na análise do cérebro se mantenham.
A combinação da neurociência com a inteligência artificial pode mudar como diagnósticos e tratamentos para depressão acontecem hoje em dia. O cérebro humano ainda tem muitos mistérios, mas a tecnologia se mostra a favor de tratar uma doença muito presente em nossos tempos.
Fonte: Nature