No fascinante universo da computação quântica, uma nova página está sendo escrita – e ela é composta por moléculas individuais. Resultado de anos de pesquisa, dois estudos publicados na renomada revista “Science”, no dia 7 de dezembro, abriram um caminho promissor para a utilização de moléculas singulares como qubits, ou bits quânticos, em computadores quânticos.
Mas, o que exatamente isso significa?
Para entender melhor, vamos olhar um pouco para a história da computação quântica. Nos idos da década de 1990, os primeiros princípios de computação quântica foram demonstrados utilizando grandes quantidades de moléculas em uma solução dentro de máquinas de ressonância magnética nuclear, e desde então, uma variedade de plataformas para a computação quântica foi desenvolvida, incluindo circuitos supercondutores e íons individuais mantidos no vácuo. Cada um desses objetos atua como uma unidade fundamental de informação quântica, análoga aos bits dos computadores clássicos.
Mais recentemente, outra abordagem tem ganhado destaque: o uso de átomos neutros, – em oposição a íons –, como qubits, capturados por feixes de laser altamente focados, conhecidos como ‘pinças ópticas’. Agora, este mesmo conceito está sendo aplicado às moléculas, que oferecem uma complexidade adicional em comparação aos átomos. Os pesquisadores das duas equipes independentes conseguiram fazer com que pares de moléculas de fluoreto de cálcio interagissem de tal maneira que se tornassem emaranhadas, um fenômeno crucial para a computação quântica.
Adam Kaufman, físico da Universidade do Colorado Boulder, classificou esses resultados como um marco importante, vendo neste avanço um potencial para alavancar estados emaranhados e assim potencializar as aplicações das matrizes de pinças ópticas moleculares. A ideia de manipular moléculas individuais com tal precisão para tarefas computacionais avançadas é, sem dúvida, um passo significativo para o futuro da computação quântica.
Mas por que moléculas? Lawrence Cheuk, físico da Universidade de Princeton e coautor de um dos estudos, explica que as moléculas possuem uma complexidade maior que os átomos, e que isso significa novas formas de codificar informações quânticas e interações inéditas, abrindo assim caminhos sem precedentes para o processamento dessas informações. Essa complexidade adicional das moléculas pode nos levar a métodos mais eficientes e poderosos de computação quântica.
O potencial das moléculas para a computação quântica
Aprofundando-se nos detalhes desses estudos revolucionários, os pesquisadores utilizaram uma técnica inovadora que envolve conjuntos de pinças ópticas. Cada uma dessas pinças mantém presa uma única molécula, e com técnicas a laser, eles conseguiram resfriar essas moléculas até temperaturas na casa dos microkelvins – apenas milionésimos de grau acima do zero absoluto. Neste estado gélido, as moléculas praticamente cessam todo o movimento, permitido que a equipe conseguisse até mesmo controlar a rotação das moléculas, podendo pará-las completamente ou fazê-las girar na menor velocidade rotacional possível, – conhecida como ħ.
Essa precisão microscópica é crucial para a representação dos qubits, os blocos fundamentais da computação quântica. As moléculas não giratórias representam o estado ‘0’, enquanto as giratórias representam o ‘1’. Esse é o equivalente quântico dos bits de 0 e 1 em computadores clássicos.
Mas o que torna o fluoreto de cálcio particularmente interessante é sua alta polaridade. Com cargas elétricas negativas agrupadas em torno do átomo de flúor e um pólo positivo no cálcio, essa polaridade permite que os pesquisadores induzam interações entre duas moléculas, explorando seus pólos opostos. John Doyle, físico da Universidade de Harvard, em Cambridge, Massachusetts, um dos coautores dos estudos, salienta que a interação dipolar das moléculas oferece um “botão extra de ajuste” para a manipulação quântica.
O emaranhamento é um requisito para que os computadores quânticos executem algoritmos complexos e eficientes, e as equipes conseguiram demonstrar o emaranhamento das moléculas, formando um sistema quântico coletivo.
No entanto, é importante notar que, para a maioria das aplicações, os computadores quânticos baseados em moléculas podem ser mais lentos do que aqueles que utilizam outros tipos de qubits. Contudo, as moléculas apresentam um ambiente naturalmente adequado para manipular informações quânticas usando ‘qutrits’, que têm três estados possíveis: −1, 0 e +1. Esse sistema de qutrits pode oferecer uma forma de realizar simulações quânticas de materiais complexos ou das forças fundamentais da física.
Doyle acrescenta que esses avanços também podem auxiliar no uso de moléculas aprisionadas para medições de alta precisão, que poderiam revelar a existência de novas partículas elementares.
Hannah Williams, física da Universidade de Durham, no Reino Unido, ressalta a incrível velocidade com que este campo tem avançado. Com essa conquista, ela enfatiza que as moléculas se mostraram como uma plataforma competitiva para a simulação quântica.
Esses estudos não apenas demonstram um avanço significativo no campo da computação quântica, mas também abrem portas para futuras pesquisas em simulações complexas e medições de alta precisão.
Fonte: Nature