Unir física quântica à física clássica é um desafio que ainda não foi superado, mas nessa busca incessante para desvendar os mistérios que separam o mundo quântico do clássico, físicos estão prestes a abordar a questão através de um experimento inspirado por um dos paradoxos mais intrigantes da física teórica, o Gato de Schrödinger, que promete explorar os limites da mecânica quântica de uma forma inédita desafiando nossa percepção da realidade e propondo uma jornada intelectual que pode mudar fundamentalmente nosso entendimento do universo.
O Gato de Schrödinger é um experimento mental proposto pelo físico Erwin Schrödinger no século XX, que ilustra um gato fechado em uma caixa com um frasco de veneno que tem 50% de chance de ser quebrado e matar o gato. Segundo a mecânica quântica, o gato estaria simultaneamente vivo e morto até que alguém abrisse a caixa para verificar, momento no qual as possibilidades colapsariam em uma única realidade observada. Esse cenário bizarro serve para destacar a estranheza da mecânica quântica quando aplicada a objetos do tamanho do dia a dia, algo que a intuição humana e a física clássica têm dificuldade em aceitar.
Agora, imagine levar esse conceito ao próximo nível, testando os princípios quânticos em objetos significativamente maiores do que átomos ou moléculas, mas ainda não tão grandes quanto um gato. É exatamente isso que um grupo de físicos liderados por Sougato Bose, teórico da University College London (UCL) se propõe a fazer. Eles estão planejando um experimento que desafiará a fronteira entre o microscópico, governado pelas leis da mecânica quântica, e o macroscópico, onde as regras da física clássica prevalecem.
A mecânica quântica, com toda a sua estranheza, provou ser incrivelmente precisa na descrição do comportamento de partículas em escalas muito pequenas. No entanto, à medida que avançamos para objetos maiores, os efeitos quânticos parecem desaparecer. Isso levou alguns físicos a se perguntarem se existe uma linha divisória clara que separa o mundo quântico do clássico, ou se, talvez, não tenhamos sido capazes de isolar suficientemente bem os objetos maiores para observar suas propriedades quânticas.
O experimento de Bose e sua equipe envolve o uso de lasers para suspender um único nanocristal de sílica, – um objeto aproximadamente 1.000 vezes maior do que as moléculas típicas usadas em experimentos quânticos, mas ainda visivelmente menor do que o que consideramos macroscópico – , enquanto oscila em torno do ponto focal de um pequeno espelho parabólico esculpido.
Esse “pendulo de Schrödinger“, como poderíamos chamar, será observado em um ambiente controlado para ver se ele exibe comportamento quântico, como estar em mais de um lugar ao mesmo tempo, dependendo de se está sendo realizada a medição ou não, o que, analogamente, no experimento mental do Gato de Schrödinger, seria o momento que abrimos a caixa para concluir sobre o que houve com o gato.
Por falar nisso, você já viu o artigo aqui do blog do físico Marcelo Lapola que te explica o que física quântica tem a ver com gatoe churrasco? Clica aqui para ler!
A busca da fronteira entre física quântica e física clássica
A questão fundamental que o experimento procura responder é se a mecânica quântica se aplica universalmente a tudo, independentemente do tamanho, ou se existe um ponto em que ela deixa de valer, dando lugar às leis da física clássica. O experimento será realizado de duas maneiras distintas para testar como a observação (lembrando que na física quântica “observar” quer dizer “medir”) afeta o comportamento do objeto, explorando a ideia de que a realidade é influenciada pela medição.
Essa pesquisa tem o potencial de esclarecer um dos grandes enigmas da física e revolucionar nossa compreensão do universo. Se for demonstrado que objetos maiores podem exibir propriedades quânticas quando devidamente isolados do ambiente, isso poderia significar que o mundo quântico está muito mais próximo do nosso cotidiano do que se pensava anteriormente.
Mas não é uma tarefa fácil. O experimento exige uma precisão e controle extremos do ambiente para isolar o objeto quântico de influências externas, o que representa um desafio técnico significativo. Além disso, para obter resultados estatisticamente robustos, serão necessárias cerca de 100.000 medições em um curto espaço de tempo, aumentando a complexidade do experimento.
O sucesso desta investigação poderia abrir caminho para a exploração de fenômenos quânticos em escalas maiores, potencialmente até objetos visíveis a olho nu. Mais do que expandir nosso entendimento da mecânica quântica, isso aponta para aplicações práticas como o desenvolvimento de novas tecnologias quânticas, aprimorando nossa capacidade de manipular o mundo ao nosso redor em um nível fundamental.
Este experimento representa um ponto de possível compreensão sobre a ligação da física quântica e da física clássica, apontando que a fronteira entre elas pode ser mais permeável do que se pensava anteriormente, à medida que sugere uma conexão entre o mundo macroscópico e microscópico.
Fonte: Scientific American