Após quatro décadas de operações pioneiras, dando à fusão nuclear novas perspectivas, o Joint European Torus (JET), localizado próximo a Oxford, no Reino Unido, inicia um processo de decomposição meticuloso, marcando o fim de uma era e o início de um novo capítulo na busca incessante por uma fonte de energia limpa e praticamente inesgotável.
Mais do que um ritual de encerramento, trata-se de um projeto detalhado que visa abrir caminho para as futuras usinas de fusão nuclear, prometendo uma energia mais segura e economicamente viável.
O JET tem sido fundamental para o avanço do conhecimento sobre a energia nuclear, um verdadeiro laboratório experimental para o ITER, um reator de fusão de US$22 bilhões em construção na França. Em 2022, ele quebrou o recorde de energia criada através da fusão, um feito notável que reforça a promessa da fusão nuclear como a alvorada de uma nova era energética. Enquanto o mundo observa com entusiasmo os avanços no US National Ignition Facility na Califórnia, onde mais energia é gerada a partir de uma reação de fusão do que a investida, o JET prepara-se para contribuir de uma maneira única: servindo de modelo para a desativação de futuras usinas de fusão.
A decomposição do JET é uma tarefa árdua, cheia de desafios e oportunidades. Diferente da fissão nuclear, a fusão não deixa para trás um legado de resíduos radioativos de longa duração. No entanto, o JET está entre os poucos experimentos que utilizaram quantidades significativas de trítio, um isótopo radioativo de hidrogênio. Este elemento, apesar de sua meia-vida de 12,3 anos, deixa materiais radioativos por décadas, devido às partículas de alta energia liberadas durante a fusão. A tarefa agora é entender, localizar e remover o trítio dos materiais, uma missão que não só reduz a radioatividade, mas também permite que o trítio seja reciclado como combustível.
Engenheiros e cientistas estão adotando uma abordagem metódica e inovadora. Um sistema robótico recentemente reformado que está sendo utilizado para remover amostras de azulejos para análise Lasers operados remotamente ajudam a medir a quantidade de trítio nas amostras ainda dentro do experimento. O objetivo é compreender completamente até que profundidade o trítio penetrou nos materiais. Este trabalho meticuloso prepara o terreno para processos em escala industrial que visam descontaminar toneladas de azulejos e componentes nos próximos anos.
O processo de “detritiação”, crucial na redução da radioatividade, envolve aquecer os componentes em um forno para liberar o trítio, que é então capturado em água. O trítio pode ser extraído da água e transformado novamente em combustível, enquanto os materiais restantes são classificados como resíduos de baixo nível, uma categoria que abrange resíduos radioativos produzidos por universidades e hospitais. Este processo não apenas alinha-se com as práticas de sustentabilidade, mas também faz sentido econômico, enfatizando a reutilização de um recurso escasso.
Ao mesmo tempo, a equipe do JET está explorando formas de lidar com resíduos de baixo e intermediário nível. As opções incluem re-tratamento, remoção para locais de disposição especializados ou armazenamento até que a radioatividade diminua a níveis mais seguros. Além disso, partes do JET que não foram afetadas, como equipamentos de diagnóstico e teste, já estão encontrando novas casas e propósitos em experimentos de fusão nuclear em países como França, Itália e Canadá.
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O legado para o futuro da fusão nuclear
A desativação de um reator de fusão nuclear não se traduz em destruir tudo à vista e restringir o acesso ao local por um longo período. Pelo contrário, trata-se de entender, mitigar e, onde possível, reutilizar ou reciclar. É uma abordagem que, além de atender às necessidades imediatas de descontaminação, também fornece insights valiosos para o design e a regulação de futuras usinas de fusão nuclear, como a Spherical Tokamak for Energy Production (STEP) que está sendo planejada no Reino Unido.
No seu adeus final, o JET não saiu silenciosamente. Em seus últimos experimentos em dezembro, a equipe inovou ao inverter a forma do plasma, uma técnica que poderia confinar o calor de maneira mais eficiente. Eles também provocaram danos deliberados, enviando um feixe de energia de elétrons ‘fugitivos’ contra a parede interna do reator. Essa análise de danos fornecerá dados cruciais para testar as previsões detalhadas e melhorar o entendimento da dinâmica do plasma e a segurança do reator nuclear.
O fim das operações do JET não é um ponto final, mas uma vírgula em uma narrativa contínua de descoberta e inovação em relação às possibilidades de exploração da energia nuclear, reforçando um compromisso dos cientistas na busca de uma fonte de energia que promete ser limpa, sustentável e quase inesgotável. Enquanto o JET se despede, ele acende uma luz de conhecimento e esperança.
Fonte: Nature