A leitura dos pergaminhos do Monte Vesúvio estão diante de um novo momento incrível. A tecnologia e a arqueologia se fundiram produzindo grandes resultados por meio de uma equipe de jovens pesquisadores que acaba de redefinir os limites do conhecimento humano sobre o mundo antigo.
Utilizando algoritmos avançados de aprendizado de máquina, esses estudantes decifraram textos de papiros carbonizados, enterrados há 2.000 anos pela erupção do Monte Vesúvio, e desvendaram pensamentos filosóficos sobre música, o sabor dos alcaparras e a cor púrpura. Essa descoberta, resultado do desafio conhecido como “Vesuvius Challenge” abre novos horizontes para o campo dos estudos clássicos.
Os pergaminhos de Herculano, desenterrados no século XVIII de uma vila romana de luxo, representam uma das únicas bibliotecas do mundo antigo que chegaram até nós. Esses fascinantes artefatos, embora preservados, se encontravam em um estado tão frágil que qualquer tentativa de desenrolá-los poderia levá-los à destruição. A abordagem inovadora desses estudantes para a leitura dos pergaminhos, vindos do Egito, Suíça e Estados Unidos, não apenas preservou a integridade física desses preciosos documentos, mas também revelou um conteúdo até então oculto, que oferece uma nova perspectiva sobre o pensamento e a cultura da época.
A conquista é tão significativa que agitou o normalmente tranquilo mundo dos estudos antigos. Kenneth Lapatin, curador de antiguidades no J. Paul Getty Museum em Los Angeles, descreveu o feito como a realização de um “sonho impossível”. Bob Fowler, classicista da Universidade de Bristol, também reconheceu a importância do momento, enfatizando que a descoberta representa um marco histórico.
A relevância do trabalho realizado é sublinhada pelo prêmio grandioso de 700.000 dólares concedido aos estudantes, um testemunho tangível do valor que a sociedade moderna atribui ao resgate da sabedoria antiga através desses pergaminhos.
Apesar de a entrada vencedora ter decifrado apenas cerca de 5% de um único pergaminho, o sucesso desta empreitada dissipou as dúvidas sobre a viabilidade do uso de inteligência artificial para interpretar textos antigos. Com esta prova de conceito estabelecida, as expectativas são altas para que, em breve, mais textos da biblioteca de Herculano sejam desvendados, oferecendo novas e profundas perspectivas sobre a antiguidade.
O desafio colaborativo para desvendar os papiros de Herculano
Na jornada para desvendar os segredos dos antigos papiros de Herculano, uma saga que atravessa séculos ganha um novo capítulo. Apesar do desafio monumental, o comprometimento e a inovação contínua desempenharam papéis cruciais na missão de Brent Seales, cientista da computação da Universidade de Kentucky, em Lexington, e cofundador do prêmio, e sua equipe.
Por quase duas décadas, Seales, um pioneiro na interseção entre a tecnologia e a arqueologia, se dedicou a revelar os textos ocultos nessas relíquias da antiguidade. A tarefa, nada trivial, envolveu a criação de um software capaz de “desenrolar virtualmente” os papiros, utilizando imagens tridimensionais de tomografia computadorizada. No entanto, o trabalho meticuloso e as limitações técnicas – como a impossibilidade de diferenciar a tinta baseada em carbono do próprio papiro nas imagens de TC – apontavam para a necessidade de uma abordagem ainda mais inovadora.
Inserido nesse contexto desafiador, surge uma colaboração transformadora. Nat Friedman, um empreendedor do Vale do Silício, foi capturado pela fascinação dos pergaminhos de Herculano após assistir a uma palestra de Seales. Reconhecendo o potencial revolucionário do projeto, mas também a magnitude do desafio, Friedman propôs uma solução audaciosa: abrir o desafio para o mundo, aproveitando a nível global a coletividade e a criatividade de mentes brilhantes. O resultado foi o nascimento do “The Vesuvius Challenge” em março de 2023, impulsionado pela generosidade e visão de Friedman, que contribuiu com $125,000 e mobilizou recursos adicionais significativos.
O Desafio Vesúvio (do inglês “The Vesuvius Challenge”) não se trata apenas de uma competição, ele representa um modelo inovador de colaboração e progresso coletivo. Ao longo do desafio, prêmios menores foram distribuídos para incentivar o avanço contínuo, e, de forma crucial, o código vencedor de cada etapa foi compartilhado abertamente. Essa estratégia criou um ambiente de cooperação e crescimento conjunto, onde cada avanço se torna um degrau para o próximo salto de inovação, permitindo que os participantes construam uns sobre os avanços dos outros.
A estrutura pensada para o Desafio Vesúvio reflete um profundo entendimento de que, em empreitadas de grande complexidade e importância, a colaboração e o compartilhamento de conhecimento são tão essenciais quanto a competição.
A primeira palavra dos pergaminhos: “roxo”
Ao longo do verão, um marco crucial emergiu no Desafio Vesúvio, uma inovação que moldaria o futuro da competição. Casey Handmer, um empreendedor americano e ex-físico, fez uma descoberta notável. Nas digitalizações complexas dos antigos textos, ele identificou uma textura sutil, parecida com lama rachada, que ele chamou de “crackle”. Essa peculiaridade não era apenas uma característica física, e parecia esboçar as formas de letras gregas, abrindo um novo caminho para a decifração dos textos.
Inspirado por essa descoberta, Luke Farritor, um estudante de ciência da computação na Universidade de Nebraska-Lincoln, aproveitou essa textura única para treinar um algoritmo de aprendizado de máquina. O fruto desse trabalho meticuloso foi a revelação da palavra “porphyras“, ou, traduzido, “roxo”, – uma conquista que lhe garantiu o prêmio por desvendar as primeiras letras no final de outubro.
Clica aqui para ler tudo sobre essa descoberta que rolou em outubro do ano passado!
Não muito depois, Youssef Nader, um doutorando egípcio em Berlim, avançou ainda mais na compreensão do texto, produzindo imagens ainda mais claras e conquistando a segunda posição na competição.
À medida que o final do ano se aproximava, o clima entre os participantes e organizadores era de tensão palpável. Os códigos desenvolvidos por Farritor e Nader foram disponibilizados, dando aos concorrentes menos de três meses para aprimorar suas interpretações antes do prazo final de 31 de dezembro. Nat Friedman compartilhou a ansiedade do momento, destacando a expectativa enquanto o prazo final se aproximava.
No entanto, na última semana, a tensão deu lugar à esperança, quando 18 submissões foram recebidas. Um júri técnico examinou meticulosamente o código de cada submissão, encaminhando as 12 mais promissoras para um comitê de papirologistas. Estes especialistas tiveram a tarefa de transcrever o texto e avaliar cada entrada com base na legibilidade. No final, a colaboração entre Farritor, Nader e Julian Schilliger, um estudante suíço de robótica, emergiu como a única equipe a atender plenamente aos rigorosos critérios do prêmio.
A reação dos especialistas à qualidade das imagens produzidas foi de puro assombro. Federica Nicolardi, uma das juízas e papirologista na Universidade de Nápoles Federico II, expressou o sentimento coletivo ao descrever os resultados como incríveis. Agora, com os textos finalmente revelados em uma clareza notável, ela e seus colegas se dedicam à tarefa de analisar integralmente o conteúdo descoberto, prometendo novas percepções e uma compreensão mais profunda do mundo antigo.
As novas descobertas
Os textos recentemente revelados, ligados à escola filosófica epicurista e provavelmente à obra do seguidor de Epicuro, Filodemo, que viveu de 341 a 270 A.C., nos reconectam com questões essenciais da humanidade que transcendem o tempo: como viver uma boa vida e como evitar a dor.
Esses papiros não são apenas fragmentos de papel, são janelas para um mundo esquecido, agora lentamente trazido de volta à luz através da colaboração e inovação. A inclusão de figuras históricas, como o flautista Xenofântus, mencionado pelos antigos autores Sêneca e Plutarco, cuja música evocativa até mesmo incitou a paixão de Alexandre, o Grande, acrescenta camadas de profundidade à nossa compreensão dos valores estéticos e emocionais daquela época.
Enquanto isso, a expectativa cresce entre os acadêmicos e entusiastas da história. Os pergaminhos, que podem abranger uma gama mais ampla de assuntos, desde a filosofia de Aristóteles até poesia e literatura perdida de autores como Homero e Safo, prometem revelar “novos segredos” nos enchem de empolgação e antecipação, como aponta Bob Fowler da Universidade de Bristol, no Reino Unido, um dos jurados do prêmio.
Além disso, este marco no estudo dos pergaminhos de Herculano não apenas incita debates sobre a possibilidade de futuras escavações na vila de Herculano, mas também destaca o potencial das técnicas de aprendizado de máquina para revelar outros textos ocultos, abrindo um novo capítulo na arqueologia e na preservação histórica.
Conforme avançamos para o próximo desafio, com Nat Friedman anunciando novos prêmios para o Desafio Vesúvio de 2024, há uma mistura palpável de otimismo e admiração. A meta de decifrar 85% de um pergaminho até o final do ano que vem é ambiciosa, mas, como as conquistas até agora têm mostrado, o impossível pode se tornar possível quando a curiosidade humana se encontra com a inovação tecnológica.
A jornada do desvelamento desses papiros antigos é descrita por Friedman como um “milagre”, e é um testemunho da resiliência e do espírito inquisitivo que nos define. Vamos acompanhar de perto o que essas relíquias da arqueologia vão trazer para o mundo moderno!
Fonte: Nature