Em uma era de intensa exploração do espaço, os detritos encontrados em uma nova pesquisa são uma grande preocupação para nós, aqui na Terra.
É inegável que as marcas da humanidade estão por todos os cantos do nosso planeta, desde sacolas plásticas vagando pelas profundezas oceânicas até neve contaminada por microplásticos nos picos mais altos das montanhas. Mas pense no impacto que podemos estar causando em altitudes ainda maiores enquanto estamos tornando as missões ao espaço cada vez mais frequentes e intensas.
Em um trabalho fincanciado pela NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration – Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, em tradução livre), cientistas descobriram uma nova forma de poluição, que chega ao espaço: metais vaporizados oriundos de restos de satélites e outras peças de detritos espaciais.
Em uma série de voos de pesquisa em grandes altitudes sobre o Alasca e o meio-oeste dos EUA, em março e abril, pesquisadores decidiram analisar de perto o que está acontecendo na nossa estratosfera, e o que eles encontraram foi surpreendente: quantidades consideráveis de metais comumente utilizados em foguetes e satélites, muitas vezes em proporções que refletem ligas aeroespaciais de alta performance.
O detalhe preocupante é que esses metais estão se acumulando dentro das partículas de ácido sulfúrico, que compõem a maior parte das partículas na estratosfera, influenciando tanto a camada de ozônio quanto o clima do nosso planeta.
Atualmente, apenas cerca de 10% das partículas de ácido sulfúrico analisadas continham metais provenientes do espaço. No entanto, os pesquisadores alertam que esse número pode crescer para 50% ou mais nas próximas décadas, graças ao aumento exponencial no número de lançamentos espaciais e satélites em órbita. Ainda é cedo para dizer com certeza o que isso significa para nós aqui embaixo, mas é algo que merece muita atenção.
Mais de 20 elementos distintos foram encontrados nos destroços de espaçonaves e na reentrada de satélites, incluindo prata, ferro, chumbo, magnésio, titânio, berílio, cromo, níquel e zinco. O que é bastante alarmante é que a maior parte do alumínio, cobre e lítio encontrados na estratosfera atualmente é proveniente de lixo espacial. Parece que nosso legado para no espaço está mudando a composição da nossa atmosfera.
O lixo das espaçonaves aposentadas
Daniel Murphy, o autor principal do estudo que trouxe esse problema à luz, e pesquisador químico no Laboratório de Ciências Químicas da NOAA em Boulder, Colorado, foi claro ao dizer que o modelo anterior de análise dos detritos no espaço estava focado majoritariamente na possibilidade de peças atingirem a Terra e representarem um perigo para nós, aqui no solo. No entanto, eles não haviam se debruçado tanto sobre o que acontece com os componentes que se vaporizam durante a reentrada na atmosfera.
“Eles têm que ir para algum lugar“, Murphy destaca. E com as medições feitas, agora sabemos para onde vão: eles se integram às partículas na estratosfera.
Daniel Cziczo, cientista atmosférico na Universidade Purdue e coautor do estudo, reforça essa afirmação, assegurando que o link entre os metais encontrados na estratosfera e a reentrada de espaçonaves é, de fato, inquestionável. Os resultados observados não podem ser explicados por poluição oriunda de lançamentos de foguetes ou aeronaves cruzando a estratosfera porque geram partículas de tamanhos e assinaturas químicas muito diferentes. Tampouco podem ser justificados por os processos industriais terrestres, como a fundição de metais, que produzem partículas distintas e são limitados a altitudes mais baixas.
O que realmente chamou a atenção dos pesquisadores foram pequenos traços de lítio, seguidos por altas concentrações de alumínio, superando em muito a abundância encontrada na poeira meteorítica presente no espaço. “O que realmente fechou a questão foram as observações de nióbio e hafnio, ambos realmente exóticos. Você definitivamente não espera encontrá-los na estratosfera“, diz Murphy.
É interessante notar que os voos de alta altitude da NOAA não estavam inicialmente procurando por metal vaporizado de detritos espaciais. Na verdade, o objetivo principal era estudar as partículas de ácido sulfúrico e outros aerossóis estratosféricos. A química complexa dessas minúsculas partículas tem efeitos em escala planetária, influenciando a temperatura da Terra e afetando o nosso “protetor solar” natural, ao impulsionar ou suprimir reações químicas que destroem a camada de ozônio.
Responsabilidade na exploração do espaço
Agora, navegando por esse mar estelar de informações, somos confrontados com um fato inegável: a poluição metálica da estratosfera está prestes a acelerar.
Os planos para megaconstelações de satélites, como o Starlink da SpaceX e o Project Kuiper da Amazon, estão projetando um aumento exponencial no número de lançamentos espaciais. Até 2030, podemos esperar até 50.000 novos satélites no espaço orbitando nosso planeta. Esses satélites têm vida útil de 5 anos. E como o que sobe, inevitavelmente, tem que descer, nos deparamos com uma chuva iminente de destroços ardentes enriquecendo a estratosfera com mais metais.
Murphy destaca a magnitude desta transformação: “Isso (os 50 mil satélites em órbita) significa 10 mil reentradas por ano – algo como 30 por dia. Isso é muito diferente da situação do passado e é uma das coisas que realmente está mudando”. Esta é uma mudança significativa e sem precedentes, e as implicações ainda estão sendo desvendadas.
Leonard Schulz, pesquisador do Instituto de Geofísica e Física Extraterrestre da Universidade Técnica de Braunschweig, na Alemanha, que não esteve envolvido na nova pesquisa, cujo trabalho teórico anterior sobre a injeção atmosférica de materiais pela indústria espacial agora encontra validação empírica, salienta a urgência de se entender os impactos ambientais potenciais, especialmente diante do crescimento acelerado do setor espacial e das megaconstelações de satélites no espaço.
Mas não é fácil ter clareza sobre os efeitos dos detritos no espaço, serão necessários modelos mais abrangentes e uma melhor cobertura observacional das reentradas de espaçonaves. Schulz e outros pesquisadores argumentam que as empresas de lançamento e os fabricantes de espaçonaves precisam ser mais transparentes, compartilhando informações sobre a composição de seus satélites e seus perfis de reentrada simulados.
Parece que estamos lidando com o desconhecido, e Murphy destaca que é desconfortável não saber se é um problema e, se for, não saber o quão importante é. Não há respostas fáceis, mas mesmo assim, encontrá-las é essencial. Precisamos entender os riscos que a expansão contínua do espaço humano impõe à vida aqui na Terra.
Parece que estamos em um ponto de inflexão. As descobertas recentes lançaram luz sobre um problema até então ofuscado pelas estrelas e pelo brilho do progresso tecnológico com foco na exploração do espaço.
Agora, com este conhecimento e uma responsabilidade crescente, a urgência de agir se coloca, visando preservar o espaço e também a Terra.
Fonte: Scientific American