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O que um novo mapa detalhado do cérebro de uma mosca revela para a neurociência?

O cérebro de uma mosca-da-fruta, da espécie Drosophila melanogaster, pode parecer irrelevante se considerarmos a complexidade dos cérebros humanos… Mas só parece! Embora seja um território pouco explorado uma descoberta recente revelou que este pequeno inseto guarda um tesouro de informações valiosas para a neurociência. 

Pesquisadores conseguiram criar o mapa cerebral mais completo já feito de qualquer organismo, capturando a rede de conexões de quase 140 mil neurônios e mais de 54 milhões de sinapses. Este estudo é muito mais do que sobre o cérebro de moscas, e abre novas portas para a compreensão do cérebro de maneira geral.

Para começar… O que é um conectoma?

Em termos simples, um conectoma é um mapa das conexões neurais de um cérebro. Cada cérebro é composto por bilhões de neurônios, e o conectoma nos mostra como esses neurônios estão interligados, formando as vias de comunicação que controlam desde os movimentos mais simples até as emoções mais complexas. 

No caso da mosca-da-fruta, o conectoma foi desenhado com um nível de detalhamento sem precedentes, cobrindo todo o cérebro da mosca em uma única estrutura conectada.

Esse avanço foi possível graças ao consórcio FlyWire, uma equipe de pesquisadores liderada por Mala Murthy e Sebastian Seung, da Universidade de Princeton. O projeto, que levou mais de quatro anos para ser concluído, envolveu a utilização de microscopia eletrônica e ferramentas de inteligência artificial (IA) para montar um modelo completo do cérebro da mosca.

Embora a IA tenha desempenhado um papel crucial no processo de montagem, ela não é perfeita. O software automatizado que “costura” as imagens cerebrais tem limitações e, por isso, o trabalho de revisão foi meticuloso. Para garantir a precisão do conectoma, a equipe passou por um exaustivo processo de correção manual, que contou com a ajuda de voluntários de várias partes do mundo. Ao todo, foram feitas mais de três milhões de correções manuais no mapa.

Esse trabalho árduo foi impulsionado pela pandemia de COVID-19, quando muitos pesquisadores estavam impossibilitados de trabalhar em laboratório e dedicaram seu tempo a esse projeto. A correção manual foi comparada ao trabalho de análise de imagens de satélite: a inteligência artificial consegue identificar grandes estruturas, como lagos e estradas, mas a revisão humana é necessária para garantir que cada detalhe esteja correto.

Após essa etapa, o mapa ainda precisava ser anotado. Ou seja, os pesquisadores precisavam identificar e classificar cada um dos neurônios, agrupando-os por tipo celular. Esse processo revelou 8.453 tipos diferentes de neurônios no cérebro da mosca, um número surpreendentemente maior do que o esperado. Entre esses tipos, mais de 4.500 eram previamente desconhecidos pela ciência, abrindo novas frentes de pesquisa.

Além da quantidade de neurônios, o conectoma trouxe descobertas inesperadas sobre como o cérebro da mosca organiza e processa informações. Uma dessas revelações é a de que os neurônios de determinados circuitos sensoriais, como o visual, não estão limitados apenas à sua função primária. Muitos deles recebem também sinais de outros sentidos, como audição e tato, sugerindo uma interconexão mais profunda e complexa entre os sistemas sensoriais do que se imaginava.

Essa descoberta é particularmente fascinante porque reflete a capacidade do cérebro de integrar diferentes tipos de informações sensoriais para formar uma percepção mais completa do ambiente ao redor. Isso demonstra que até mesmo cérebros simples, como o da mosca-da-fruta, possuem uma complexidade que se aproxima da forma como cérebros mais desenvolvidos, como o humano, integram as informações dos sentidos.

Modelagem e simulação do cérebro da mosca-da-fruta

Com o conectoma em mãos, os cientistas também conseguiram criar um modelo virtual do cérebro da mosca e testar como ele reage a diferentes estímulos. Em um experimento, eles ativaram neurônios associados ao paladar, tanto para sabores doces quanto amargos. O circuito relacionado ao sabor doce gerou um sinal que fez com que o inseto simulasse o movimento de estender sua probóscide (órgão responsável pela alimentação), como se estivesse se preparando para comer. Já o circuito do sabor amargo inibiu esse movimento.

Para validar esses resultados, os pesquisadores realizaram experimentos semelhantes em moscas reais, e descobriram que o comportamento previsto pelo modelo estava correto em mais de 90% dos casos. Isso não só demonstra o potencial do conectoma como ferramenta de estudo, mas também abre a possibilidade de explorar como diferentes estímulos sensoriais afetam diretamente o comportamento dos organismos.

Outro achado importante foi a identificação de circuitos neuronais responsáveis por comportamentos motores específicos, como o ato de interromper a caminhada. Uma das vias identificadas inclui dois neurônios que “desligam” os sinais de caminhar enviados pelo cérebro quando a mosca decide parar para se alimentar. Outro circuito está relacionado ao controle motor das pernas, ajudando o inseto a interromper o movimento quando está realizando tarefas como a limpeza de seu corpo.

Esses achados são fundamentais para a compreensão de como as decisões motoras são tomadas em organismos simples, fornecendo pistas sobre como sistemas mais complexos podem funcionar. Ao estudar esses processos, os cientistas esperam aprender mais sobre como o cérebro coordena as ações motoras com os estímulos sensoriais e as necessidades do corpo.

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Limitações e próximos passos

Embora o conectoma represente um grande avanço, ele também tem suas limitações. Por exemplo, o mapa foi construído a partir do cérebro de uma única mosca fêmea. Embora os cérebros das moscas-da-fruta sejam bastante semelhantes, há variações individuais que não foram capturadas. Para comparação, o maior conectoma disponível antes deste novo mapeamento cobria apenas parte do cérebro de uma mosca, com cerca de 25 mil neurônios.

Em um estudo de comparação, os pesquisadores descobriram que o novo conectoma incluía quase o dobro de neurônios em certas regiões do cérebro, como o corpo de cogumelo, uma estrutura associada ao olfato. A explicação mais provável é que a mosca utilizada no estudo anterior não teve um desenvolvimento cerebral completo, possivelmente por falta de nutrientes.

Outro desafio é que o mapa atual cobre apenas as conexões neurais que ocorrem por meio de sinapses químicas, deixando de fora informações sobre sinapses elétricas e outros tipos de comunicação química entre os neurônios. Para compreender plenamente o cérebro da mosca, e de outros organismos, essas lacunas ainda precisam ser preenchidas.

Além disso, o conectoma da fêmea traz apenas parte do quadro comportamental, já que existem diferenças comportamentais significativas entre os sexos. Murthy, uma das líderes do projeto, planeja futuramente mapear o cérebro de uma mosca macho, o que permitirá estudos sobre comportamentos específicos, como o canto de acasalamento, que é exclusivo dos machos.

A construção do conectoma mais completo já feito de um organismo representa um marco importante na neurociência. Embora ainda haja muito a ser explorado, as descobertas feitas até agora já abriram novas e fascinantes perguntas sobre como os cérebros funcionam e se conectam. 

Fonte: Nature

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