A ciência não para de surpreender, e as minúsculas partículas da física quântica guardam verdadeiros mistérios para nossa compreensão. Ao contrário do senso comum ou da física clássica, na mecânica quântica, o simples ato de medição pode influenciar o sistema que está sendo estudado!
A natureza das coisas: Esse foi o assunto do embate que rolou entre Albert Einstein e Erwin Schrödinger, por volta de 1935.
De um lado, Einstein acreditava que o universo mantinha as coisas locais, portanto nenhum evento em um determinado local poderia instantaneamente causar qualquer mudança em outro lugar distante.
Do outro lado, Schrödinger, que nos apresentou a um sistema peculiar chamado “emaranhamento” (ou “entrelaçamento”, tanto faz), que é basicamente o seguinte: se duas partículas se esbarrassem, seus destinos estariam ligados. Então, se você conhecesse uma partícula, saberia sobre sua parceira emaranhada, independentemente de onde ela estivesse.
Esse fenômeno da mecânica quântica diz que se uma das partículas emaranhadas for medida, a medida da outra partícula correspondente será instantaneamente conhecida, mesmo que estejam separadas por grandes distâncias. É como descobrir o que seu amigo em Pequim pediu para o jantar olhando sua comida no Brooklyn.
Isso parecia ir contra a regra de Einstein, onde nenhuma influência poderia ultrapassar a velocidade da luz, logo, influência instantânea… nem pensar.
Einstein se mostrou cético quanto ao emaranhamento, chamando-o de “arrepiante”. Ele sentia que no manual da mecânica quântica estavam faltando algumas páginas. Já Schrödinger, defendeu a teoria quântica (que ele ajudou a criar) até o fim, mas ele nunca deixou de compreender o desconforto de Einstein.
O desconforto foi superado pelo consenso de que o emaranhamento não pode ter influência remota sobre um resultado, podendo apenas distribuir o conhecimento desse resultado. Houveram vários experimentos com o emaranhamento e um até ganhou um cobiçado Prêmio Nobel em 2022.
Atualmente, algumas especulações na comunidade quântica sugerem que o emaranhamento não se trata apenas de dinâmicas em dupla, mas que ele está se expandindo, espalhando sua rede não apenas entre duas partículas, mas entre constelações inteiras de partículas.
Em 2018, alguns pesquisadores perceberam que esta rede de conexões se parecia muito com os estados da matéria com os quais estamos familiarizados, como sólido e líquido, mas em vez de uma mudança no estado físico, como água para gelo, era tudo sobre uma mudança no estado da informação.
É bom lembrar que na mecânica quântica, a informação é codificada nos estados de partículas, e o emaranhamento entre partículas é uma manifestação física dessa informação.
Dito isso, voltemos à mudança no estado da informação… Brian Skinner, da Ohio State University, um dos físicos que primeiro identificou o fenômeno, resumiu como uma “transição de fase na informação“. Pense nisso como a maneira do universo de reorganizar como as informações são compartilhadas.
Recentemente, um trio de equipes de pesquisa tentou testemunhar essa mudança de fase de perto. Os experimentos visavam entender melhor como as medições afetam a entropia do emaranhamento e, por extensão, a informação no sistema. A ideia subjacente é que, ao fazer medições em sistemas emaranhados, os pesquisadores podem induzir transições de fase relacionadas ao grau de emaranhamento e à estrutura da informação no sistema.
Em sistemas quânticos, a informação não está simplesmente armazenada de forma isolada em cada partícula, em vez disso, ela pode ser compartilhada entre partículas através do fenômeno do emaranhamento.
Usando computadores quânticos, os meta-experimentos (que é como um experimento para explicar um experimento) dos cientistas pretendiam medir como as próprias medições afetariam o fluxo de informações, confirmando então que um equilíbrio delicado entre os efeitos concorrentes do emaranhamento e da medição pode ser alcançado.
A descoberta foi tão revolucionária que desencadeou uma onda de pesquisas para entender o que acontece quando o emaranhamento e a medição colidem.
Jedediah Pixley, teórico da matéria condensada da Universidade Rutgers, que estudou variações da transição sugere que o emaranhamento pode ter propriedades que jamais poderíamos imaginar.
Falando em experimentos revolucionários, pela primeira vez cientistas manipularam partículas e criaram pela primeira vez o anel de Alice, um experimento que muda propriedades de entidades quânticas. Clica aqui e olha que irado!
Emaranhamento vs. medição
Foi em um restaurante em Oxford, onde Skinner e Nahum, animados com suas sobremesas, traçaram cenários onde a medição e o emaranhamento competiam.
Nahum imaginou a cadeia de partículas se estendendo ao longo do tempo, cada partícula, ao se emaranhar, criava uma conexão, como um link em uma cadeia. E toda vez que faziam uma medição, era como se quebrassem um desses links. A questão que os atormentava era: quantos links poderíamos quebrar antes que a cadeia inteira se rompesse? E mais importante, o emaranhamento poderia continuar se propagando mesmo com alguns links quebrados?
Skinner, com sua experiência anterior, lembrou-se de um problema que estudara durante sua graduação – o “vandalized resistor grid” (rede de resistores vandalizada, em tradução livre). Pense primeiro numa representação como um arame farpado, onde os nós são as partículas, e as conexões entre eles representavam elos através dos quais o emaranhamento poderia se formar. O experimento de Skinner consistia basicamente em uma representação de como uma rede poderia ser danificada mas ainda funcionar, até certo ponto.
Juntando isso ao nosso dilema quântico, eles perceberam que o problema não era se a medição ou o emaranhamento venceria, mas quando. Quão danificada a cerca (ou rede de partículas) poderia ficar antes de parar de funcionar completamente? E, surpreendentemente, parecia que o emaranhamento, apesar de seu comportamento delicado e misterioso, tinha uma resistência incrível.
Nahum propôs uma visão onde, mesmo com algumas medições interferindo, o emaranhamento poderia continuar se propagando. Como? Imagine um tecido com alguns buracos. Embora danificado, ele ainda é reconhecível como um tecido. Da mesma forma, o emaranhamento poderia continuar sua jornada, apesar das interrupções das medições, pelo menos até um certo limite.
Isso desafiava a crença convencional. Muitos físicos, incluindo especialistas como Ehud Altman, físico de matéria condensada da Universidade da Califórnia, Berkeley, sempre acreditaram que os estados emaranhados eram extremamente frágeis. O simples ato de medir poderia desmoroná-los. No entanto, a conversa de Nahum e Skinner estava sugerindo algo revolucionário. Talvez o emaranhamento fosse mais resiliente do que pensávamos.
Foi aí que começou uma jornada para testar estas teorias. Se elas estivessem certas, poderíamos estar à beira de um novo entendimento sobre a natureza da realidade quântica, onde emaranhamento e medição não são inimigos mortais, mas competidores em um delicado equilíbrio.
Mas, antes de nos aproximarmos dessa investigação, é importante entender o papel que cada um desses fenômenos desempenha em nosso universo quântico.
Emaranhamento de rastreamento
Para transformar suas ideias em realidade científica, Skinner e Nahum trabalharam em colaboração com Jonathan Ruhman, da Bar-Ilan University em Israel. Juntos, eles empreenderam uma jornada meticulosa de simulações digitais, explorando como os links em redes clássicas poderiam ser interrompidos em diferentes velocidades.
Para garantir que suas descobertas fossem não apenas teoricamente sólidas, mas também aplicáveis ao mundo quântico, eles compararam seus resultados com simulações muito mais desafiadoras de partículas quânticas reais.
Enquanto a pesquisa progredia de forma consistente, algo inesperado aconteceu no verão de 2018. Matthew Fisher, um proeminente físico da matéria condensada da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, juntou-se à conversa, trazendo uma perspectiva inovadora: o entrelaçamento entre moléculas no cérebro poderia influenciar nossa capacidade de pensar? Fisher estava particularmente interessado em como certas moléculas, ao se ligarem, poderiam agir como uma forma de medição, interrompendo o entrelaçamento e, em seguida, potencialmente reformando-o.
Em colaboração acadêmica, os grupos de Nahum, Fisher e um terceiro grupo liderado por Graeme Smith, da Universidade do Colorado, decidiram unir forças. Havia uma sensação tangível de urgência, com cada equipe ansiosa para publicar suas descobertas, e, em agosto, fizeram exatamente isso.
Os resultados, no entanto, não foram uniformemente acordados. A equipe de Smith inicialmente divulgou conclusões que desafiavam as dos outros dois grupos. A lógica de Nahum, embora apoiada pela maioria, foi posta em xeque.
No entanto, a controvérsia não durou muito. Altman e sua equipe da Berkeley, em uma revisão cuidadosa do trabalho anterior, identificaram um aspecto negligenciado: a disseminação da informação. Eles argumentaram que as interações aleatórias entre as partículas da cadeia não só entrelaçam, mas também complicam o estado da cadeia ao longo do tempo. Isso significa que a quantidade de informação que cada partícula possui sobre todo o sistema é surpreendentemente pequena.
Março de 2019 trouxe mais clareza sobre o assunto: O grupo de Altman publicou uma análise mostrando como o entrelaçamento poderia, de fato, evitar a destruição completa por medições. Quase simultaneamente, a equipe de Smith ajustou suas descobertas, alinhando-se com os outros grupos.
A questão original de Nahum foi, finalmente, respondida. A transição induzida pela medição, um conceito previamente teórico, foi firmemente estabelecida. No entanto, ao contrário das transições de fase que podemos observar facilmente, como água se transformando em gelo, esta era uma transição entre “fases de informação”.
E, como Skinner sugeriu, enquanto o campo da matéria condensada muitas vezes se esforça para descobrir tais transições entre estados, a grande pergunta que permanece é: como exatamente detectamos essa transição no mundo real? Nos quatro anos seguintes, essa pergunta guiou a pesquisa de três grupos distintos, cada um buscando evidências desse fluxo distintivo de informação.
Observando o inobservável
O universo quântico é um lugar insondável. Cada vez que se pensa ter desvendado um de seus mistérios, ele se mostra ainda mais complexo e desafiador. E essa complexidade, exemplificada nos pontos discutidos anteriormente, não é diferente quando se trata do desafio de medir a entropia do entrelaçamento (ou do emaranhamento).
Na mecânica quântica, a entropia é uma medida da incerteza ou da desordem de um sistema quântico, indicando o grau de informação que se perde ao se medir o estado global do sistema sem acesso aos detalhes microscópicos individuais. Em contextos específicos, como no emaranhamento, a entropia quantifica o grau de emaranhamento entre partes de um sistema de partículas.
A primeira grande barreira encontrada pelos cientistas é a dificuldade inerente ao experimento de medir essa entropia. Como Altman mencionou, em termos práticos, parece quase impossível capturar a transição intangível que ocorre durante o processo. Isso é equivalente a tentar medir um evento raro na natureza, que ocorre apenas sob condições muito específicas.
Mas a ciência raramente se deixa intimidar pelo “impossível”, mesmo diante da dificuldade de entender as partículas quânticas. O objetivo primordial do experimento era estabelecer uma taxa de medição e verificar como a entropia do entrelaçamento variava sob diferentes condições.
E enquanto os desafios matemáticos, particularmente a complexidade exponencial, tornavam este experimento formidável, o verdadeiro núcleo da questão estava em entender e medir a entropia do entrelaçamento. Esse fenômeno não pode ser medido diretamente, mas pode ser inferido por meio da repetição de experimentos.
Aqui, entra em cena o trabalho meticuloso de deduzir a entropia do entrelaçamento para uma série de partículas sob medição. Cada partícula tem sua própria história experimental, o que significa que as medições podem variar dependendo de inúmeras variáveis. É um processo de tentativa e erro, onde os pesquisadores precisam repetir o experimento diversas vezes para chegar a um resultado coerente.
Crystal Noel, física da Duke University, chegou a questionar a relevância física do experimento, dada a sua extrema dificuldade. E, embora seja uma questão válida, a comunidade científica manteve seu entusiasmo e determinação em busca de respostas.
Em 2019, quando Noel e sua equipe da University of Maryland, trabalhando em um novo computador quântico, encontraram maneiras de simplificar o experimento. Através da simulação digital e de outras técnicas inovadoras, eles conseguiram detectar a transição de entrelaçamento em cadeias de 13 qubits, um avanço significativo na época.
No entanto, em paralelo, a IBM estava levando a pesquisa a um novo patamar. Com melhorias significativas em seus computadores quânticos e a determinação de um então estudante de graduação no Instituto de Tecnologia da Califórnia chamado Jin Ming Koh, eles também mergulharam no desafio, e após meses de trabalho contínuo e mais de um milhão de execuções, a equipe conseguiu uma realização significativa, dissipando dúvidas sobre a mensurabilidade do fenômeno da transição de fase.
E, como se isso não fosse suficiente, recentemente a Google decidiu entrar em cena. Em colaboração com uma equipe de físicos, eles buscaram ir além, estudando cadeias de partículas ainda mais longas e incorporando novas técnicas e abordagens ao experimento. O resultado foi uma transição de fase em um sistema equivalente a uma cadeia de cerca de 24 qubits, um marco no campo da mecânica quântica.
Observando partículas: Os efeitos da medição
O debate entre Skinner e Nahum, aliado aos estudos de Fisher e Smith, originou uma nova área de estudo para físicos focados em medição, informação e emaranhamento. Central a essas pesquisas está a ideia de que as medições não apenas coletam informações, mas também são capazes de originar fenômenos inéditos.
Historicamente, o papel da medição na física da matéria condensada era um pouco marginalizado. Como Fisher destacou, os cientistas tradicionalmente viam as medições como um meio para um fim, uma ferramenta para coletar dados após um experimento, mas essa perspectiva está passando por uma transformação radical. Em vez de simples ferramentas de coleta de dados, as medições passaram a ser vistas como forças dinâmicas que podem influenciar e manipular ativamente um sistema.
O interessante é que as medições podem levar a resultados peculiares. Algumas lembram o conceito que Einstein achava desconcertante, onde eventos parecem acontecer simultaneamente em vários lugares. Quando se realiza uma medição, diversas possibilidades no mundo quântico se extinguem, algumas até mesmo ligadas a locais distantes. Mesmo que a mecânica quântica não suporte a ideia de comunicação mais rápida que a luz, ela apresenta características surpreendentes.
Altman menciona o crescente fascínio em torno do tipo de fenômeno coletivo que pode emergir devido a esses efeitos não-locais das medições. Estamos começando a entender que a mecânica quântica não é apenas sobre partículas minúsculas, mas sobre as vastas redes de conexões entre elas, e uma das descobertas mais revolucionárias refere-se ao mundo do emaranhamento.
A suposição anterior era clara: para emaranhar várias partículas, seria necessário um número igual de etapas. No entanto, as pesquisas recentes sugerem uma mudança de paradigma.
Por meio de medições, o emaranhamento pode potencialmente ser alcançado em menos etapas do que se imaginava anteriormente. Essa noção não foi apenas deixada no estágio teórico, mas foi trazida à vida, levando à criação de um padrão de emaranhamento preenchido com partículas únicas, que retêm memória.
À medida que os pesquisadores continuam a desvendar os mistérios das partículas quânticas, eles estão explorando o potencial das medições para sobrecarregar estados emaranhados. Isso surpreendeu muitos na comunidade científica, incluindo Skinner.
Para Skinner, esse avanço no interesse foi inesperado. Ele, que foi premiado em Pequim pelo seu trabalho, inicialmente via essa área de estudo como uma simples curiosidade intelectual. Contudo, sua percepção mudou e agora ele vê um grande potencial nesses estudos, reconhecendo sua relevância e aplicabilidade.
O estudo mostrou que as medições e a forma como são realizadas podem, de fato, influenciar os estados de emaranhamento, e com isso nos encontramos em um momento transformador na pesquisa sobre as partículas quânticas. O que antes era considerado teórico e abstrato está se aproximando de aplicações tangíveis, como a influência no desenvolvimento de tecnologias como os computadores quânticos.
Essa pesquisa ajuda a transformar conceitos extremamente abstratos e teóricos da ciência em algo mais palpável e compreensível, nos mostrando que o mundo quântico das partículas, por mais estranho que pareça, pode nos surpreender de forma antes inimagináveis!
Fonte: Quanta Magazine