A música é central para nossas vidas cotidianas, e dá ensejo a debates sobre a qualidade e a complexidade das canções que entram no hype. A cada geração, parece haver muitas opiniões que concordam em apontar para a direção que a música está tomando, com muitos sugerindo que as canções de hoje são de alguma forma inferiores às de décadas passadas.
Agora, a ciência traz novas perspectivas sobre esta discussão, oferecendo insights baseados na análise de dados sobre como a música popular realmente mudou ao longo dos últimos cinquenta anos.
Uma pesquisa publicada na revista Scientific Reports discorre sobre a evolução da música popular, revelando que as letras das canções têm, de fato, se tornado mais simples e repetitivas. O estudo, liderado por Eva Zangerle, uma cientista da computação da Universidade de Innsbruck, na Áustria, utilizou aprendizado de máquina (machine learning) para analisar as características linguísticas de 353.320 canções conhecidas, lançadas entre 1970 e 2020, abrangendo gêneros como pop, rock, rap, R&B e country. A análise focou em aspectos como a proporção de linhas repetidas, tipos de sinais emocionais, pontuação de legibilidade e riqueza do vocabulário.
Os resultados mostraram um aumento significativo na razão entre linhas repetidas e não repetidas, quase dobrando para a música pop e aumentando ainda mais rapidamente para a o rap. O estudo também apontou um aumento na proporção de refrões em relação a outras seções das canções, e ainda foi observada uma tendência nas letras contemporâneas em expressar emoções mais negativas e menos positivas do que no passado, bem como uma maior pessoalidade, com uso frequente de pronomes em primeira pessoa, como “eu” e “me”.
Michael Varnum, um psicólogo cultural da Universidade Estadual do Arizona, que não esteve envolvido no estudo mas que já havia detectado declínios na complexidade lírica ao longo do tempo, aponta este novo estudo com uma amostra consideravelmente maior do que analisada outrora, abrangendo uma variedade mais ampla de gêneros, e as descobertas reforçam observações anteriores, oferecendo uma visão mais ampla sobre o panorama da música popular.
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Existe música “boa” e “ruim”?
Contudo, a análise também enfrenta desafios e limitações. Por se concentrar em canções de língua inglesa, o estudo pode não capturar totalmente a diversidade cultural global, e além disso, medir a intenção emocional e a complexidade apenas através das letras pode ser problemático, visto que termos de gíria ou letras que parecem simples podem ter significados mais profundos ou ser jogos de palavras inteligentes.
Os especialistas também apontam que uma canção é mais do que apenas letras. Kaleb Goldschmitt, um etnomusicólogo do Wellesley College, argumenta que, embora as letras possam estar se simplificando, outros aspectos da canção, como textura e ritmo, parecem estar se tornando mais complexos, sugerindo que a mudança na música popular apresenta mais nuances do que simplesmente uma tendência em direção à simplicidade lírica.
Uma hipótese para a prevalência de seções repetidas nas canções é a superabundância de novas músicas produzidas atualmente, que poderia explicar a preferência por conteúdos mais fáceis de processar e diretos. Corroborando com isso, estão as mudanças nos hábitos de escuta, incluindo o aumento da ocorrência da multitarefa e o uso de plataformas de streaming, o que pode favorecer canções que não exigem atenção plena do ouvinte.
Além de destacar as mudanças na composição lírica da música popular, coloca em xeque os preconceitos sobre o que constitui “boa música”. A complexidade não é necessariamente um indicador de qualidade, e a simplicidade não deve ser vista como uma falha. Como os gostos musicais são altamente subjetivos, é importante reconhecer que a apreciação musical varia enormemente entre os indivíduos.
Ao final, o estudo oferece uma visão valiosa sobre como a música popular evoluiu ao longo das últimas décadas, utilizando uma abordagem baseada em dados para superar debates subjetivos sobre qualidade e gosto.
Embora as tendências em direção à simplicidade e repetitividade sejam claras, elas não diminuem necessariamente o valor ou a importância da música contemporânea, ao contrário, essa evolução reflete as mudanças na forma como a música é produzida, consumida e apreciada na era digital, destacando a dinâmica sempre em mudança da expressão artística e cultural.
Fonte: Scientific American