No crepúsculo da era dos dinossauros, um gigante enigmático, apelidado de “galinha do inferno”, vagava pelas terras que hoje chamamos de América do Norte. Este ser intrigante é parte de um quebra-cabeça paleontológico que desafia cientistas há décadas, e pode ser a chave para compreender o verdadeiro estado do mundo dos dinossauros antes do cataclísmico impacto de um asteroide há 66 milhões de anos. A descoberta recente de uma nova espécie, que à primeira vista parecia apenas uma versão juvenil de um conhecido dinossauro, está desafiando a narrativa tradicional sobre o fim desses magníficos répteis.
Desde os anos 1970, os paleontólogos têm se debruçado sobre uma intrigante questão: os dinossauros estavam em declínio antes do fatídico evento que marcou o fim do período Cretáceo (último período da Era Mesozoica, entre -144 e -66,4 milhões de anos)? Observações iniciais sugeriam que, embora a diversidade dos dinossauros parecesse florescer em um estágio geológico que abrangeu de 83,6 milhões a 71,2 milhões de anos atrás, o número de espécies parecia diminuir nos últimos milhões de anos do Cretáceo. Isso levou alguns a especular que o asteroide que atingiu o Golfo do México foi simplesmente o golpe final para um grupo já vulnerável de animais.
No entanto, a interpretação desses dados não é tão simples quanto parece. A contagem de espécies fósseis é uma tarefa árdua, sujeita a vieses relacionados ao ambiente em que os dinossauros viveram e à conservação de seus restos mortais ao longo dos milênios. A acessibilidade dos locais de fósseis também influencia quais espécies foram descobertas até agora, levantando dúvidas sobre se estamos vendo uma imagem completa da diversidade desses antigos seres.
A chave para desvendar esse mistério pode estar em uma formação rochosa conhecida como Hell Creek, em Dakota do Sul, onde foram encontrados os ossos do membro posterior de um dinossauro.
Inicialmente identificados como pertencentes à família dos caenagnathidae, – um grupo de dinossauros semelhantes a pássaros – , esses fósseis lançaram uma nova luz sobre a diversidade dos dinossauros no final do Cretáceo. O único caenagnathidae conhecido dessa época e região era o Anzu, também chamado de “galinha do inferno”, coberto de penas e com asas e um bico desdentado, pesando entre 200 e 340 quilogramas. No entanto, o novo espécime era significativamente menor que o Anzu, levando os cientistas a acreditar, inicialmente, que se tratava de um juvenil.
O exame minucioso dos ossos revelou algo extraordinário. As linhas de crescimento interrompido nos ossos, análogas aos anéis de crescimento das árvores, indicavam que este não era um juvenil, mas sim um adulto de uma espécie completamente nova. Este novo dinossauro, batizado de Eoneophron infernalis, que significa “galinha do inferno ao alvorecer do Faraó” ( do inglês, “Pharaoh’s dawn chicken from Hell“) apresentava características distintas, como ossos do tornozelo fundidos ao tíbia e uma crista bem desenvolvida em um dos ossos do pé – traços que não seriam encontrados em um jovem Anzu.
A descoberta do Eoneophron infernalis sugere que a diversidade dos dinossauros no final do Cretáceo pode ter sido muito maior do que os registros fósseis atualmente indicam. Uma revelação que lança uma nova luz sobre o mundo perdido dos dinossauros.
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Mais dinossauros…
Esta nova evidência estimulou os cientistas a compararem minuciosamente esta nova espécie com outros membros da família para determinar onde o Eoneophron infernalis se enquadrava. E não para por aí. Não mais uma nem duas espécies: um terceiro membro ainda sem nome desta família intrigante, comparável em tamanho a um pastor alemão.
O que antes era um solitário “galinha do inferno” agora se expande para uma tríade de tamanhos distintos: o grande Anzu, pesando tanto quanto um urso pardo, o médio Eoneophron, com um peso comparável ao de um humano, e o recém-descoberto membro menor.
Essa descoberta é particularmente notável quando vista em paralelo com formações fósseis mais antigas, como a famosa Formação de Dinosaur Park, em Alberta, que preserva dinossauros que viveram entre 76,5 milhões e 74,4 milhões de anos atrás. Lá, encontramos uma correspondência não apenas no número de espécies de caenagnathidae, mas também nas classes de tamanho, oferecendo evidências convincentes de que os caenagnathidae mantiveram uma estabilidade notável ao longo da última parte do Cretáceo.
Estes achados desafiam a narrativa de um declínio na diversidade dos dinossauros no final do Cretáceo. Em vez disso, sugerem uma presença constante e robusta dos caenagnathidae durante este período, destacando que parte do padrão percebido de diminuição na diversidade pode ser atribuído a vieses na amostragem e na preservação, em vez de uma verdadeira queda nas populações de dinossauros. O Eoneophron e a família caenagnathidae ampliada adicionam uma nova camada de complexidade ao debate sobre a extinção dos dinossauros, desafiando a ideia de um declínio gradual na diversidade antes do impacto do asteroide.
Fonte: Scientific American