Quais as características de um narcisista? Sabemos mesmo o que é narcisismo? Veja como a ciência pode nos ajudar a entender melhor isso.
Quando falamos em narcisismo, é possível que nomes como Donald Trump ou Elon Musk venham à mente. Eles recebem esses rótulos por seus comportamentos e características em destaque na mídia. Mas parece que a ciência nos mostra que a coisa é mais complexa do que parece…
Estima-se que cerca de 6% da população dos EUA, majoritariamente homens, tenha experimentado o transtorno de personalidade narcisista em algum momento da vida. Essa condição pode se manifestar de diversas maneiras, desde a autoexaltação até a autodepreciação, e pode acontecer com quem é extrovertido com carreiras bem-sucedidas, e também com introvertidos que enfrentam desafios no mercado de trabalho.
Há uma dimensão pouco explorada nisso tudo: o narcisismo “vulnerável” ou “encoberto”, em que os indivíduos experimentam angústia interna e flutuações na autoestima, apesar de, externamente, poderem apresentar características grandiosas. E nesse sentido, há debates acadêmicos interessantes sobre a coexistência dessas duas faces do narcisismo.
A sobrinha e psicóloga de Donald Trump, Mary Trump, por exemplo, teoriza que o ex-presidente pode apresentar traços de transtorno de personalidade narcisista e, talvez, de transtorno de personalidade antissocial. Entretanto, fazer um diagnóstico concreto exigiria uma série de testes que ele provavelmente nunca realizará.
E para ajudar a entender melhor essas nuances, vamos ver o que a ciência tem a dizer em estudos que ainda são novos mas que, em seus primeiros passos, sugerem que a vulnerabilidade pode, de fato, ser o lado oculto da grandiosidade.
A história de uma narcisista
Tessa, uma jovem de 25 anos, se permitia sonhar alto em meio ao glamour da Califórnia, certa de que seria uma cantora famosa. Mas ao confrontar a realidade de que talvez nunca alcançasse essa vida fabulosa que havia idealizado, ela mergulhou em uma das mais intensas depressões de sua vida.
Esta dissonância entre o mundo dos sonhos e a realidade refletiu-se nas suas relações: Ela se sentia frequentemente entediada em conversas, e experimentava uma desconexão emocional ainda mais profunda no campo amoroso. Um ex-namorado de Tessa chegou a apontar que ela não percebia o quanto o fazia mal, e a reação dela se concentrava no sentimento dela própria sobre se sentir traída diante da conexão do seu parceiro com outras pessoas, – e aqui não estamos falando dos amigos do rapaz. Tessa não suportava a ideia de que ele admirasse outras pessoas que não ela, e tentava até impedi-lo de conhecer gente nova.
“Às vezes, me sinto acima de tudo e de todos, e em outros momentos, me vejo como um simples objeto descartado na beira da estrada”, revela Tessa que vive uma busca constante por autoconhecimento e autenticidade para se livrar da angústia. Por sugestão dos pais, Tessa procurou ajuda e neste ano foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN).
As nuances do narcisista
Aidan Wright, psicólogo da Universidade de Michigan, salienta que algumas características narcisistas, como dominância social e foco em conquistas pessoais, são até valorizadas em culturas ocidentais e não são necessariamente problemáticas.
Já Elsa Ronningstam, uma psicóloga clínica do Hospital McLean, em Massachusetts, apresenta duas faces da moeda: O narcisismo funcional, que engloba uma visão positiva de si mesmo e uma propensão para manter relacionamentos próximos, mesmo quando desafiados por uma versão idealizada de si; e o narcisismo patológico, uma condição mais volátil que protege uma visão inflada de si mesmo à custa dos outros e se manifesta através de sentimentos negativos intensos quando essa visão é ameaçada.
Muitas vezes, o TPN coexiste com outros transtornos, como depressão, transtorno bipolar e transtorno de personalidade limítrofe. É fundamental entender que, por trás de cada etiqueta, existe um ser humano em busca de equilíbrio e aceitação.
O narcisismo oscila frequentemente entre dois pólos extremos: grandiosidade e vulnerabilidade. Tais oscilações são mostradas em estudos recentes e estão longe de serem experiências isoladas. A controvérsia surge, no entanto, quando se tenta definir a natureza dessa dualidade.
Enquanto profissionais como Diana Diamond, psicóloga clínica da City University de Nova York, veem uma interação dinâmica entre vulnerabilidade e grandiosidade, outros, como Josh Miller, psicólogo da Universidade da Geórgia, argumentam que a vulnerabilidade sentida por indivíduos que são reconhecidos como “grandiosos” não está necessariamente ligada à insegurança, mas à ameaça ao seu status.
A discussão torna-se ainda mais complexa quando se introduz a categoria dos “narcisistas malignos“, que, além das características padrão do narcisismo, têm traços antissociais e psicopáticos. O relato de um paciente sobre seu pai, por exemplo, revela um cientista brilhante, mas que era controlador e buscava constantemente prejudicar a autoestima daqueles ao seu redor.
Origens da narcisismo: A perspectiva da ciência sobre genes, infância e o cérebro
Ao tentar desvendar o narcisismo, os pesquisadores se deparam com uma combinação de fatores genéticos, experiências de infância e processos cerebrais.
Pesquisas com gêmeos idênticos e não idênticos apontam que a genética pode ser um dos responsáveis pelo transtorno do narcisismo. No entanto, o papel da criação é igualmente relevante. Entre as nuances possíveis, uma delas é que o comportamento de grandiosidade pode ser fruto de cuidadores que têm uma visão inflada sobre a superioridade de seus filhos. Em contraste, a vulnerabilidade pode ter raízes em uma infância marcada por cuidadores frios, negligentes ou abusivos.
O conceito de superavaliação pelos cuidadores também traz uma possível contribuição para o narcisismo vulnerável. Mas os vínculos entre a criação e a grandiosidade ainda permanecem inconsistentes em diversas pesquisas.
Quando se aventura a explorar o cérebro do narcisista, uma série de revelações interessantes emergem. Uma pesquisa de 2015, realizada pela Universidade de Michigan, por exemplo, investigou adolescentes utilizando um questionário de narcisismo e um jogo virtual chamado Cyberball. O propósito era entender como eles reagiam à exclusão social.
O resultado foi revelador: os jovens com níveis mais elevados de narcisismo exibiam uma maior atividade na chamada “rede de dor social” do cérebro. Outros estudos de neuroimagem reforçam essa descoberta, mostrando que homens com traços narcisistas mais intensos têm uma atividade cerebral maior associada a emoções negativas quando visualizam imagens de si mesmos.
Além das intrincadas redes neurais, o próprio corpo dos narcisistas parece reagir de maneiras distintas. Estudos apontam que homens com maior narcisismo têm níveis elevados do hormônio do estresse, o cortisol. Em uma pesquisa realizada em 2020, descobriu-se que pessoas com Transtorno de Personalidade Nascísica exibem maiores concentrações de moléculas ligadas ao estresse oxidativo em seu sangue.
As conclusões ainda não são definitivas, mas os resultados destes estudos sugerem que, embora o narcisista possa não expressar constantemente sua vulnerabilidade, ela parece estar sempre lá, latente. Contudo, é essencial abordar essas descobertas com cautela, pois muitos desses estudos, apesar de reveladores, possuem limitações, como amostras pequenas ou resultados contraditórios.
Rumo a tratamentos eficazes para o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN)
As pesquisas e estudos sobre o Transtorno de Personalidade Narcisista (TPN) têm avançado, mas ainda estamos longe de ter um protocolo de tratamento padrão e altamente eficaz. Até o momento, não foram realizados ensaios clínicos randomizados específicos. No entanto, a comunidade médica tem adaptado terapias que se mostraram eficazes em condições relacionadas, como o transtorno de personalidade limítrofe. Entre as abordagens atuais, destacam-se:
Mentalização: Uma abordagem terapêutica que visa ajudar os indivíduos a compreenderem seus próprios estados mentais, assim como os dos outros.
Transferência: Este método concentra-se em aprimorar a capacidade do indivíduo de auto-reflexão, compreender perspectivas alheias e regular suas emoções.
Ainda que tais tratamentos estejam em uso, há uma necessidade urgente de se desenvolver abordagens mais eficazes. Como aponta Ronningstam, muitos acreditam que pessoas com narcisismo patológico e TPN têm uma reputação de resistência à mudança ou mesmo de abandonar o tratamento. Porém, em vez de simplesmente responsabilizar os pacientes, é fundamental que clínicos e pesquisadores busquem estratégias mais personalizadas, focadas em promover uma mudança genuína.
Falar de saúde mental é falar de saúde em um aspecto geral. E nesse sentido, as pesquisas são muito importantes para entender mais a fundo os transtornos de personalidade, focando em buscar tratamentos que considerem a individualidade e complexidade de cada paciente. A questão do narcisismo pode ser algo muito mais complexo. É preciso estarmos atentos aos nossos julgamentos, antes de tudo. E nada melhor do que o conhecimento especializado, apoiado na ciência, para compreender como alcançar e proporcionar bem-estar.
Fonte: Scientific American