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O que podemos saber sobre o cérebro humano observando como morcegos mapeiam o ambiente e as relações sociais

Será que nosso cérebro responde ao meio ambiente de forma independente das relações sociais? A neurociência se aproximou dessa questão a partir de uma observação inédita do aspecto social do meio ambiente tendo morcegos como objeto de investigação.

Quando pensamos em morcegos, a primeira coisa que pode vir à mente são criaturas noturnas, voando silenciosamente pelo céu, com uma habilidade quase mística de se desviar de obstáculos e localizar sua presa. 

No entanto, o que muitos podem não saber é que os morcegos além de serem mestres em navegar em seu ambiente físico, mostram a mesma habilidade para o seu complexo mundo social. E a chave para desvendar esse mistério pode estar nos no seu cérebro, mais especificamente em uma região conhecida como hipocampo.

Na Universidade da Califórnia, em Berkeley, um grupo de neurocientistas decidiu investigar mais a fundo o funcionamento interno da mente dos morcegos. Utilizando uma colônia de morcegos-da-fruta egípcios em um cenário artificial de caverna, os pesquisadores se propuseram a entender como esses animais navegam tanto em seu ambiente físico quanto em suas relações sociais.

Os morcegos, assim como nós, vivem em um mundo onde os elementos físicos, como paredes e móveis, permanecem relativamente constantes, mas o contexto social em que se encontram pode mudar drasticamente em um curto período de tempo. O neurocientista e co-líder do estudo, Michael Yartsev, que estuda as bases neurais do comportamento natural na Universidade da Califórnia, em Berkeley, explica que, assim como as pessoas em uma casa, os morcegos interagem e se movem pelo espaço de maneira dinâmica, o que influencia como eles, e possivelmente nós, navegamos pelo espaço.

E aqui entra o papel das chamadas células de lugar do cérebro, um grupo especial de neurônios localizados no hipocampo. Essas células, descobertas em ratos em 1971 pelo neurocientista John O’Keefe, e que lhe renderam um Prêmio Nobel em 2014, são ativadas quando o animal se encontra em uma localização específica, criando assim um sistema interno de navegação. 

E agora, os pesquisadores de Berkeley descobriram que as células de lugar nos morcegos não só mapeiam sua localização física, como também codificam informações sobre outros morcegos próximos, incluindo sua localização e identidade.

Essa descoberta abre um novo campo de possibilidades na neurociência, sugerindo que a evolução pode ter programado esses neurônios para desempenharem múltiplas funções, atendendo às necessidades específicas de diferentes espécies

Isso nos coloca diante de uma possibilidade de compreender mais o nosso próprio cérebro, sugerindo que  ele é ainda mais versátil e complexo do que imaginávamos, capaz de codificar e processar informações vindas tanto do mundo físico quanto do social, o que nos aproxima de um melhor entendimentos sobre as nossas interações no mundo.

Estudos com animais abrem portas para compreensão do nosso próprio cérebro. Clica aqui e dá uma olhada como um verme pode trazer novas perspectivas sobre nós!

Observando morcegos

O estudo contou com a criação de uma caverna artificial em tamanho de sala na qual esses morcegos podiam voar livremente, o que permitiu que a equipe capturasse a essência de suas interações sociais espontâneas, proporcionando insights valiosos sobre como esses animais se relacionam uns com os outros em um ambiente que imita o selvagem. Livres para explorar e interagir sem interferências humanas, os morcegos se tornaram os protagonistas de sua própria história, revelando os segredos de sua interação social.

As células de lugar, situadas no profundo e misterioso hipocampo, não reagiram apenas à localização física dos morcegos dentro da caverna, mas também capturavam informações sobre a presença e a identidade dos outros morcegos ao redor. Era como se esses neurônios equilibrassem a necessidade de se orientar no espaço com a necessidade de compreender e reagir ao contexto social em constante mudança.

A maneira como as células de lugar respondiam variava não apenas com a localização física, mas também com o status social dos outros morcegos presentes. Se um morcego pousava próximo a um companheiro de colônia com o qual tinha uma relação próxima, as células de lugar reagiam de uma maneira; e se um morcego pousava perto de outro morcego com o qual não passavam muito tempo, as células reagiam de outra maneira. 

Em resumo, as células do cérebro que até então eram encaradas como responsáveis somente pela compreensão espacial, foram observadas respondendo também aos estímulos sociais, orientando o comportamento em determinado espaço. No experimento, foi como se o cérebro do morcego estivesse constantemente ajustando seu mapa interno, para condicionar seu comportamento considerando o ambiente físico e também o social.

O cérebro humano a partir da observação dos morcegos

A intrigante complexidade do hipocampo, uma estrutura cerebral antiga e altamente conservada entre os mamíferos, está agora sob os holofotes, desafiando as nossas percepções e oferecendo uma janela para as profundezas do cérebro social.

Desde o solitário ornitorrinco até os seres humanos extremamente sociais, o hipocampo persiste através de uma variedade diversificada de estilos de vida e graus de sociabilidade. Isso nos faz ponderar: será que o sistema de navegação do hipocampo registra o ambiente social de maneira semelhante em diferentes espécies? Ou será que essa habilidade de mapear o mundo social é uma peculiaridade exclusiva do morcego egípcio da fruta? A resposta, como muitas nas ciências, exigirá mais pesquisas e exploração.

A descoberta vai além de apenas mapear o terreno social, se alinhando perfeitamente com o conceito de seletividade mista, que se trata de uma capacidade dos neurônios de responderem a uma combinação de diferentes estímulos ou características do ambiente, em vez de serem especializados em responder a um único tipo de estímulo. Essa esta que foi uma ideia destacada pelo neurocientista comportamental da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, Andy Alexander, que não esteve envolvido no estudo mas reconheceu a importância dos resultados da equipe de Yartsev, sugerindo que é mais eficiente computacionalmente para neurônios individuais codificarem múltiplos aspectos do ambiente.

O hipocampo, nesse sentido, pode ser comparado a uma potente placa gráfica de um computador, capaz de realizar diversas funções, desde renderizar gráficos para jogos de vídeo até realizar cálculos de aprendizado de máquina. Esta região do cérebro se destaca em tipos específicos de cálculos e pode ser modificado ou programado pela evolução para servir a várias necessidades.

Por muito tempo, pensamos no hipocampo como um mapeador espacial, com células dedicadas a codificar locais específicos, mas a neurociência está começando a perceber que o hipocampo é incrivelmente adaptável e flexível, capaz de codificar uma variedade de informações, dependendo do que é apresentado a ele.

As implicações dessas descobertas são vastas, sugerindo que o funcionamento dos nossos próprios cérebros podem se comportar de maneira parecida com os morcegos, em que não só as mudanças físicas, mas as relações entre indivíduos determinam como nossa estrutura cerebral se comporta.

Isso talvez seja uma nova explicação objetiva sobre a mente humana para aspectos que considerámos independentes na nossa estrutura cerebral. Disso podem decorrer possibilidades de maior compreensão não só sobre a estrutura biológica do cérebro mas também comportamental do ser humano.

Fonte: Quanta Magazine

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