Você pode não lembrar de nenhuma Lei de Newton lá da época da escola, mas com certeza sabe da importância de cada um delas para a ciência.
Agora, imagine que durante quase três séculos, tenhamos entendido um pouco errado uma das leis fundamentais da física. É o que aconteceu com a primeira Lei do movimento de Isaac Newton, a Lei da Inércia. Uma revelação nos mostra o quanto a tradução precisa é vital para a compreensão correta.
Comumente, esta lei é expressa assim: “objetos em movimento tendem a permanecer em movimento e objetos em repouso tendem a ficar em repouso“. Parece familiar, certo? Mas as palavras originais de Newton em seu renomado trabalho Philosophiae Naturalis Principia Mathematica trazem uma nuance diferente. Ele escreveu: “Todo corpo persevera no seu estado de repouso ou de movimento uniformemente reto, exceto na medida em que é compelido a mudar o seu estado pelas forças exercidas..”
Já que estamos falando em reinterpretações, clica aqui pra ver o que acontece quando cientistas resolvem interpretar a física da matéria condensada de uma forma diferente para explicar padrões climáticos.
Explicando o mal entendido da Lei de Newton
Durante muito tempo, filósofos da ciência, incluindo nomes como Brian Ellis, em 1965, interpretaram a frase de Newton como se ele estivesse falando de corpos que não têm nenhuma força agindo sobre eles.
Parece um pouco estranho, já que não existem corpos no universo que estejam completamente livres de forças externas. Então, por que Newton faria uma lei sobre algo que, tecnicamente, não existe?
A chave para essa questão pode estar em um artigo recente, publicado no jornal Philosophy of Science. Daniel Hoek, um filósofo da Virginia Tech, argumentou que Newton não estava se referindo a corpos imaginários sem forças atuando sobre eles. Em vez disso, quando Newton usou a expressão “exceto na medida em que“, ele quis dizer que a mudança no movimento acontece apenas quando uma força o provoca. Simplificando: todas as mudanças no estado de movimento de um corpo ocorrem devido às forças que agem sobre ele.
A confusão persistiu provavelmente devido a uma tradução do latim para o inglês feita por Andrew Motte em 1729, que usou “unless” (a menos que) no lugar de “except insofar” (exceto na medida em que) para traduzir do latim “nisi quatenus” .
Essa alteração pode parecer pequena, mas mudou consideravelmente a implicação do que Newton estava tentando explicar.
Newton não pretendia demonstrar que a lei se referia apenas a corpos que não sofressem o efeito de nenhuma força, mas sim destacar que o movimento só se altera na medida em que uma força obriga o corpo a alterar o movimento.
Hoek também sugere um outro jeito que seria mais efetivo para demonstrar isso, um jeito mais simples para entender que a afirmação se tratava de todos os corpos e não de supostos corpos imaginários que não sofrem nenhuma força: “Toda mudança no estado de movimento de um corpo é devida a forças impressas”.
Mas por que isso importa?
Mas por que essa nuance é tão importante, se as teorias de Newton foram ampliadas e até mesmo superadas pela teoria da relatividade de Einstein? Simples, porque estas interpretações errôneas da primeira Lei de Newton foram usadas por alguns para sugerir que havia um conflito filosófico fundamental entre as teorias de Einstein e Newton.
Segundo Robert DiSalle, historiador da filosofia da física na Western University, em Ontário, Einstein construiu suas ideias com base em Newton, e por isso entender corretamente o que Newton queria dizer é crucial para uma compreensão completa da física clássica e moderna.
Também tem havido uma discussão importante sobre a circularidade da Lei de Newton demonstrada da seguinte forma: Por que os corpos livres de força se movem em linha reta ou permanecem em repouso? Sabemos que eles são livres de força, justamente porque se movem em linha reta ou ficam em repouso. Percebe? Uma coisa explicaria a outra e, no fim, não explicaria nada.
Segundo DiSalle, o erro não parece ser uma interpretação dos contemporâneos de Newton, que não pretendia fazer uma lei baseada em corpos imaginários e sim uma lei baseada em todos os corpos, o que pode ser identificado claramente em seus escritos posteriores.
George Smith, filósofo da Universidade Tufts e especialista nos escritos de Newton sugere que é muito mais provável que essa interpretação errada seja resultado de uma análise posterior à época de Newton, e destaca que o objetivo da primeira Lei da Inércia é inferir a existência da força.
Quando Newton viveu, entre o meio do século XVII e primeira metade do século XVII, havia várias teorias antigas sobre os corpos terem o poder intrínseco do movimento. Como no caso de Aristóteles, que postulava o éter como constituinte dos corpos celestes que se moviam naturalmente em círculos, não por interferência de alguma força. Portanto, não havia a certeza que os objetos necessitavam de uma determinada força que os movesse. Newton estava se opondo a todas essas ideias.
Segundo Ramón Barthelemy, pesquisador da Universidade de Utah, as palavras específicas usadas pelos cientistas para transmitir suas ideias são fundamentais para a compreensão de suas propostas. Barthelemy destaca que essa nova explicação, que considera a tradução correta, é mais completa e mostra o quanto conceitos já estabelecidos podem apresentar novas possibilidades de interpretação e aprendizado.
No fim das contas, agora a obra de Newton nos ensinou mais do que só sobre ciência, também nos mostrou a importância das traduções precisas. Newton transitando entre lições da física e da comunicação, ao que parece, hein?
Fonte: Scientific American