A física quântica é um ramo intrigante da ciência, que agora pode trazer uma perspectiva diferente para percebermos o mundo em que vivemos. Já olhou para o céu e se perguntou sobre os ventos ou sobre o oceano, pensando como podem ser complexos os padrões deles? Vamos lançar um olhar quântico sobre essas questões!
Embora a Terra seja um pouco caótica, existem alguns padrões que pulsam ritmicamente. Um exemplo disso são as enormes ondas Kelvin, que se estendem por milhares de quilômetros avançando consistentemente para leste, e alimentando padrões climáticos oscilantes, como o El Niño.
Os geofísicos dos anos 60 nos deram uma fórmula matemática para decodificar essas ondas Kelvin, mas a ciência queria mais! O que há de tão especial no equador que permite que uma onda Kelvin circule por lá e por que diabos sempre viajam para o leste?
Avançando para 2017, um trio de físicos decidiu mudar a abordagem, usando a física quântica para enfrentar este mistério meteorológico, partindo da ideia da Terra como uma entidade quântica. Ou seja, pensando na forma como a Terra gira e desloca os ventos e águas comparada à forma como os campos magnéticos desviam elétrons nos materiais quânticos chamados isolantes topológicos.
Vamos deixar o rigor acadêmico de lado para fazer uma analogia para explicar o que são esses tais isolantes topológicos: Tratam-se de materiais especiais que não conduzem eletricidade por dentro, mas conduzem na superfície. Imagine uma barra de chocolate coberta com alumínio: o chocolate é como o interior do material, que não conduz eletricidade, enquanto o alumínio ao redor é como a superfície do isolante topológico, que conduz. (Botou chocolate no meio, não tem como esquecer!)
Termos esclarecidos, vamos agora a Brad Marston, físico da Brown University e autor do novo artigo que disse que a verdade é que de fato estamos vivendo dentro de um isolante topológico. E até agora isso era só teoria, mas um estudo recém-publicado afirma ter prova observacional!
A relação da física quântica e da geofísica
Tudo começou com a observação de William Thomson, conhecido como Lord Kelvin, sobre o comportamento peculiar das marés ao longo do Canal da Mancha. Ele notou em 1879 que a costa francesa testemunhava marés mais fortes do que o lado inglês.
A rotação da Terra era a culpada, ou mais especificamente, uma força que ela criava chamada força de Coriolis, fazendo com que os fluidos no hemisfério norte façam um redemoinho no sentido horário, enquanto aqueles no sul girem no sentido anti-horário. Esse balé da água deu origem ao que é conhecido hoje como as ondas costeiras de Kelvin.
Quase um século depois, em 1966, Taroh Matsuno, um meteorologista, entrou em cena ao modelar matematicamente o comportamento dos fluidos perto do círculo equador da Terra, se deparando então com uma hipótese fascinante: a existência de enormes ondas equatoriais de Kelvin fluindo para leste, graças à força de Coriolis.
A hipótese foi confirmada na realidade só em 1968, quando cientistas observaram as enormes ondas Kelvin equatoriais pela primeira vez, como sugeriu Matsuno. George Kiladis, meteorologista da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica, adicionou mais peso a essas descobertas, confirmando várias facetas das previsões de onda de Matsuno.
Os números e cálculos de Matsuno eram tão intrincados quanto precisos, mas ainda deixaram cientistas e pesquisadores ponderando o “porquê” mais profundo dessas ondas. E a ciência se encontrava questionando se realmente entendíamos as razões por trás desses fenômenos.
E a resposta foi encontrada no mundo quântico – um lugar onde poucos geofísicos se aventuraram. Brad Marston, transitando entre a física quântica e a física da matéria condensada, percebeu um ritmo similar das grandes ondas geofísicas da Terra e os minúsculos elétrons correndo em um campo magnético. As pistas para essa coreografia intrincada estavam em um lugar inesperado: isolantes topológicos (o negócio do chocolate, lembra?).
Um ponto a ser visitado: Lá 1980, o físico quântico Klaus von Klitzing resfriou seus elétrons quase a zero absoluto para ver seu movimento em um campo magnético. Ele se deparou com um fenômeno chamado efeito Hall quântico. Aqui, elétrons, quando resfriados o suficiente, se comportavam de uma maneira que sugeria que eles eram “topologicamente protegidos”, o que significava que certos recursos ou comportamentos dos elétrons permaneciam inalterados mesmo quando as condições em que se encontravam passavam por transformações significativas.
Agora, conectando os pontos, Marston e sua equipe, em 2017 propuseram uma ideia revolucionária em que supunha que as ondas equatoriais de Kelvin da Terra poderiam ser o equivalente geofísico do observado no material quântico em 1980. Ou seja, que existia uma relação da força de Coriolis, que formava redemoinhos nos fluidos da Terra da mesma forma que acontecia com os campos magnéticos governando os elétrons.
Mas ainda era só uma teoria, e em 2021, Marston em colaboração com outros cientistas investigaram a estratosfera (a segunda camada da Terra, logo acima da camada mais próxima de nós) buscando a onda Poincaré-gravity, acreditando que ela detinha a chave para sua teoria. A Poincaré-gravity é um tipo especial de onda que acontece no oceano profundo e é causada pela combinação da rotação da Terra e da gravidade. E adivinha? Validaram a teoria de que essas ondas imitavam o que acontecia no mundo quântico
Por falar em mundo quântico, uma pausa: Você viu o que o físico Michio Kaku contou sobre os computadores quânticos? Clica aqui e dá uma olhada! É irado!
O olhar da ciência sobre a Terra topológica
A ciência tem olhado atentamente para o estudo de diversos sistemas fluidos, que só recentemente entraram na abordagem do estudo topológico.
Mais uma vez, uma explicação rápida vale aqui: A topologia é ramo da matemática que explica as propriedades dos espaços que são preservadas sob deformações contínuas. E o que isso tem a ver com o que estamos falando? É assim: Olhando para essas propriedades do mundo quântico e das ondas, mesmo que se tratem de sistemas muito distintos, os pesquisadores sugerem uma relação de comportamentos semelhantes através dessas propriedades que são preservadas.
Isso é muito importante, porque agora os pesquisadores estão à beira de uma revelação, conectando os movimentos de pequenas partículas minúsculas ao grandioso movimento de fluidos movendo-se em uma escala planetária ou até mesmo além.
David Tong, um teórico quântico da Universidade de Cambridge, revisitou as equações de fluido originalmente exploradas por Thomson através da abordagem inovadora da topologia, retratou que as ondas, em seu majestoso sobe e desce, refletiram campos magnéticos, enquanto sua velocidade espelhava campos elétricos. Uma mudança de paradigma que ofereceu uma nova perspectiva sobre as ondas costeiras Kelvin, originalmente descobertas por Thomson.
Esta jornada da exploração topológica destaca uma profunda realização: a topologia está em toda parte, desde o reino da matéria condensada até os próprios fluidos que fluem em nosso planeta. Essas abordagens paralelas tem um enorme valor para a ciência, porque dois objetos distintos, podem potencialmente inspirar e informar descobertas um sobre o outro.
Ainda há muito a ser descoberto. O conceito da Terra como um isolante topológico provoca a comunidade científica com a promessa de desvendar mistérios de padrões climáticos de grande escala ou até mesmo anunciar descobertas geofísicas sem precedentes.
Tais “reinterpretacões” se destacam na ciência, permitindo novas maneiras de compreender o nosso universo. Imagine o quanto é importante entender a regularidade do que causa fenômenos como o El Niño, principalmente em um momento onde as questões meteorológicas são ainda mais urgentes para lidar com a crise climática que enfrentamos.
Fonte: Quanta Magazine