Estamos familiarizados com debates que a ciência nos apresenta. E como a violência entra nessas discussões?
No mundo da antropologia, uma dessas “rivalidades intelectuais” tem a ver com o quão violentas eram as sociedades humanas antigas. Essa não é nem de perto uma questão que já está resolvida, e ainda gera muitas controvérsias na antropologia.
De um lado, temos os chamados “Doves” (ou “Pombos”, em tradução livre), que acreditavam que as civilizações pré-clássicas eram harmoniosas e pacíficas, só vindo a conhecer a violência com o advento da agricultura. Do outro lado, os “Hawks” (ou “Falcões”), que imaginavam os primeiros assentamentos como lugares brutais e violentos, que se tornaram mais tranquilos com a prática da agricultura cooperativa.
Então, quem está certo? Bem, os resultados de um estudo recém-publicado na renomada revista Nature Human Behaviour sugerem que ambas as perspectivas podem ser um tanto simplistas.
A antropologia superando conjecturas
Os pesquisadores dessa nova investigação não se limitaram a conjecturas ou teorias e foram direto às fontes, analisando os restos de esqueletos de mais de 3.500 indivíduos, abrangendo um período da história do Oriente Médio de 12.000 a 400 A.C.
O que eles descobriram foi que a violência, especialmente aquela evidenciada por traumas cranianos, aumentou consideravelmente em momentos de grande agitação socioeconômica e mudanças climáticas.
Tratam-se de povos ancestrais, vivendo em regiões que hoje conhecemos como Turquia, Irã, Iraque, Síria, Líbano, Israel e Jordânia, enfrentando mudanças tanto em suas estruturas sociais quanto no clima, e no meio disso tudo, um crescente registro de violência.
Mas como os pesquisadores conseguiram distinguir um simples acidente de uma violência intencional?
A resposta está no crânio, no que eles chamam “linha da aba do chapéu“, que é uma linha imaginária que cruza a testa, que os antropólogos usam para separar um trauma intencional de um acidental. Geralmente, lesões decorrentes de quedas tendem a ocorrer em torno dos olhos, nariz e sobrancelhas, mas em confrontos violentos, a parte superior da cabeça sempre foi um alvo.
A equipe também analisou outros sinais de trauma no esqueleto, como marcas de perfuração ou fraturas no braço que poderiam sugerir defesa contra um ataque. Curiosamente, eles notaram que a violência no antigo Oriente Médio atingiu seu pico durante um período conhecido como Calcolítico, entre 6.500 e 5.300 anos atrás, durante o início e meio da Idade do Bronze. Foi uma época de transição: assentamentos esparsos começaram a se transformar em estados centralizados e armas de metal começaram a substituir as de madeira e pedra. Com populações maiores, conflitos de interesse mais significativos e armas mais letais, não é surpreendente que a violência tenha começado a crescer.
Outro aumento significativo da violência foi observado no início da Idade do Ferro, há pouco mais de 3.000 anos. Novas armas, impérios em ascensão e, o mais preocupante de tudo, uma seca que durou 300 anos, levando à fome e deslocamento de milhares.
A reflexão sobre a violência nos dias de hoje
Os resultados deste estudo trazem uma reflexão inquietante sobre os tempos atuais. Com as mudanças climáticas e o aquecimento global, muitos especialistas temem que os conflitos violentos possam aumentar.
No entanto, como ressalta um dos autores, Giacomo Benati, historiador econômico interdisciplinar da Universidade de Barcelona e coautor do estudo, não podemos traçar uma correspondência direta entre os registros históricos e os tempos modernos, mas uma coisa é certa: instituições estáveis podem desempenhar um papel fundamental na redução da violência e dos conflitos, mesmo em face de desafios climáticos.
Olhar para trás e aprender com a história da violência e os fatores que a alimentam pode dar uma boa perspectiva para o futuro. Agora, em uma posição privilegiada, com a visão do passado, podemos entender nossa realidade de uma forma mais crítica, buscando melhorar nossas vidas em muitos aspectos, pensando na possibilidade de mitigar fatores que possam colaborar com o aumento da violência.
Fonte: Scientific American