A ciência ficou alvoroçada com a possibilidade da era dos supercondutores à temperatura ambiente e as implicações seriam massivas.
Imagine materiais que, quando atingem determinada temperatura, conduzem corrente elétrica sem qualquer resistência e, por isso, não geram calor residual. Até agora, todos os supercondutores confirmados só funcionam a temperaturas extremamente baixas ou sob pressões intensas.
No entanto, um rumor recente sobre o LK-99, um cristal roxo que prometia ser esse “Santo Graal” da ciência. Infelizmente, após estudos, descobriu-se que ele não era o supercondutor esperado. Ainda assim, isso levanta uma pergunta intrigante: como um verdadeiro supercondutor à temperatura ambiente mudaria a ciência?
Embora os supercondutores de hoje sejam extremamente úteis em laboratórios, as exigências de baixa temperatura limitam sua aplicação no dia a dia.
Para ter uma ideia da complexidade, peguemos o exemplo do LHC (Large Hadron Collider – Grande Colisor de Hádrons, em tradução livre) em CERN, na Suíça. Para manter prótons em movimento, o LHC gera campos magnéticos fortes com bobinas supercondutoras mantidas a gélidos 1,9 kelvin (ou -271,25 ºC), o que demanda uma gigantesca infraestrutura de criogenia com 96 toneladas de hélio líquido, a maior do mundo. Luca Bottura, pesquisador de CERN, destaca que, se não fosse necessário essas temperaturas extremas, a engenharia por trás disso seria muito mais simples.
Supercondutores e computador quântico
Uma das principais abordagens para construir um computador quântico é armazenar informações em loops feitos de material supercondutor. E aqui está o truque: esses loops são arrefecidos quase até o zero absoluto (−273,15 ºC) usando dispositivos complexos chamados refrigeradores de diluição, que lembram aquelas bonecas russas, uma dentro da outra.
Sabe aquela estrutura grandona que mais parece um lustre? Então! É aquilo!
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Mas aqui está um ponto curioso. Se, por acaso, a temperatura de um computador quântico baseado em supercondutores subir mesmo que uma fração de grau, o desempenho rapidamente se degrada, e adeus àquelas capacidades extraordinárias que nossos computadores clássicos nunca chegarão nem perto.
A razão dessa degradação não tem a ver com a supercondutividade, ela acontece porque os cálculos quânticos são extremamente sensíveis a qualquer tipo de interferência. Neste caso, as vibrações térmicas são um grande problema, produzindo o que os cientistas chamam de “quasipartículas” indesejadas.
Quasipartículas são perturbações em um meio que se comportam como partículas, resultantes da interação coletiva das partículas de determinado sistema.
Yasunobu Nakamura, co-inventor da computação quântica supercondutora, comenta que, em temperaturas em torno de 100-150 miliKelvin, já começamos a perceber os efeitos adversos dessas quasipartículas.
Em alguns cenários, talvez o experimento em si não exija um frio extremo. No entanto, o supercondutor poderia ainda precisar ser mantido muito mais frio do que a temperatura na qual ele se torna de fato supercondutor. Cada supercondutor tem suas peculiaridades e, em muitas aplicações, especialmente para ímãs de campo elevado (campos magnéticos muito intensos, muito além do que os ímãs convencionais podem oferecer), duas propriedades são vitais: a corrente crítica e o campo magnético crítico.
A corrente crítica é o valor máximo de corrente que um supercondutor pode transportar sem perder suas propriedades de supercondutividade, ou seja, sem apresentar resistência elétrica. Se a corrente em um supercondutor exceder esse valor crítico, o material deixa de ser supercondutor e começa a mostrar resistência.
E quanto ao campo magnético crítico, é o valor máximo de campo magnético externo ao qual um supercondutor pode ser exposto sem perder suas propriedades de supercondutividade. Se o campo magnético externo exceder esse valor crítico, o material perde sua supercondutividade e retorna ao estado normal, apresentando resistência elétrica.
E é aqui que as coisas ficam ainda mais intrigantes. A supercondutividade pode ser interrompida não só quando as temperaturas sobem, mas também quando um material tenta conduzir mais corrente do que deve ou é exposto a um campo magnético muito forte.
E, só para complicar um pouco mais, tanto o campo crítico quanto a corrente crítica dependem da temperatura. Ou seja, quanto mais frio, mais corrente e campo magnético o material pode suportar. Então, mesmo que um supercondutor tenha uma alta temperatura de transição (Tc – a temperatura abaixo da qual um material exibe certas propriedades especiais e acima da qual ele perde essas propriedades), isso não significa que possa ser usado em qualquer temperatura abaixo desse Tc. Na verdade, em muitos casos, quanto mais frio o sistema, melhor o desempenho do supercondutor.
Mas nem tudo são más notícias! Os supercondutores mais eficazes descobertos até agora, incluindo uma classe chamada supercondutores de óxido de cobre, conseguem resistir a campos magnéticos muito elevados, desde que sejam devidamente refrigerados.
Supercondutores em ação
Há cerca de quatro anos, um notável cuprato (as maravilhas baseadas em cobre que mencionamos anteriormente) estabeleceu um recorde no Laboratório Nacional de Campo Magnético Elevado (NHMFL) em Tallahassee, Flórida. Lá, as bobinas supercondutoras conseguiram produzir um campo magnético estável de impressionantes 45,5 tesla. Mas tem um porém: isso só foi possível quando estavam imersos em hélio líquido, ou seja, abaixo de 4,2 kelvin.
Laura Greene, a cientista-chefe do NHMFL, mencionou algo importante: que eles não usam supercondutores de alta temperatura (Tc ) porque o Tc é alto, mas sim por causa do campo magnético crítico elevado que esses materiais proporcionam.
Para, Yuhu Zhai, engenheiro mecânico e elétrico do Laboratório de Física de Plasma de Princeton, se você quer um ímã de campo elevado, o ideal é operar na temperatura mais baixa possível. É aí que a supercondutividade realmente mostra seu poder.
O CERN, que já nos presenteou com tantas descobertas, está de olho em um colisor de partículas do futuro. Este colisor teria energias sete vezes maiores que o LHC. Para alcançar essas energias astronômicas, seria necessário acelerar partículas usando campos ainda mais fortes ou em um loop de acelerador mais longo. Os físicos até sonham com um túnel circular de até 100 quilômetros de extensão, bem ao lado do LHC.
Mas aí vem a questão: mesmo com um loop tão colossal, os ímãs supercondutores atuais, esses “monstros” de 8 tesla com bobinas de nióbio-titânio, não conseguiriam gerar os campos necessários, estimados entre 16 a 18 tesla. Luca Bottura, engenheiro nuclear e investigador magnético no CERN destaca que está na hora de olhar para outros materiais.
E é aqui que voltamos aos supercondutores de alta-Tc, que podem ser a solução – mas com uma condição: provavelmente precisariam ser mantidos nas geladas temperaturas do hélio líquido.
Na China, por exemplo, o proposto Colisor Circular de Elétrons-Pósitrons também está de olho nos ímãs de alta-Tc. Wang Yifang, chefe do Instituto de Física de Altas Energia de Pequim, revela que eles estão explorando esses supercondutores há algum tempo, principalmente os cupratos e os baseados em ferro.
Correntes críticas e o desafio dos supercondutores
Acontece que supercondutores baseados em óxido de cobre têm seus desafios: são frágeis, caros de produzir, um verdadeiro quebra-cabeça para serem transformados em cabos e seus valores de correntes críticas também não são exatamente os ideais, segundo Wang.
E para superar esses desafios, temos um novo jogador em campo: os supercondutores à base de ferro. Promissores, eles poderiam oferecer um desempenho ainda mais robusto e, veja só, pela metade do preço dos baseados em óxido de cobre.
Mudando um pouco o foco, Bottura e sua equipe estão esquentando os motores com uma ideia audaciosa: que tal substituir prótons por múons em aceleradores?
Para quem não está por dentro, múons são quase primos dos elétrons, mas são incrivelmente 207 vezes mais massivos. Com eles, seria possível estudar física de ponta num espaço bem menor, talvez até mesmo no túnel já existente do LHC.
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Fazer esses múons rodopiarem não exigiria campos magnéticos absurdamente fortes, o desafio é produzir um feixe de múons com as propriedades certas, o que poderia demandar ímãs de até 40 tesla.
Bottura diz que com essa força, o real desafio seria manter as bobinas (ou coils) no lugar, já que os campos eletromagnéticos tentariam despedaçar o ímã. Imaginem, até o aço mais resistente se curvaria sob essa pressão. A solução seria talvez apelar para materiais ainda mais fortes, como as fibras de carbono.
No fim das contas, tanto para colisores de prótons quanto de múons, um supercondutor turbinado faria toda a diferença.
Por falar em colisor de múons, os cientistas estão esperançosos com a concretização dessa façanha. Clica aqui pra ler mais.
Um aspecto importante emerge ao pensarmos nas máquinas destinadas a capturar a energia da fusão nuclear. Aqui, a resistência estrutural apresenta um obstáculo chamado tokamak. Imagine um grande donut magnético, cujo objetivo principal é confinar um plasma (o quarto estado da matéria). Este plasma é superaquecido a milhões de graus para forçar diversos isótopos (variantes de um elemento químico que possuem o mesmo número de prótons, mas diferentes números de nêutrons no núcleo) de hidrogênio a se fundirem.
O ITER, localizado na França é o maior tokamak experimental do mundo, usa gigantescos ímãs resfriados com hélio líquido, capazes de produzir campos magnéticos impressionantes de quase 12 tesla.
Laboratórios em todo o mundo estão mirando alto, buscando projetar ímãs tokamak com base em supercondutores de alta temperatura crítica (high-Tc). E por que isso é importante? Simples: campos magnéticos mais elevados poderiam potencialmente acelerar a taxa de fusão, ampliando a quantidade de energia produzida. Pelo menos em teoria, claro, pois ainda existem muitos desafios práticos a serem vencidos.
E tem mais: um dos frutos dessa pesquisa intensiva sobre materiais magnéticos de alta-Tc é que, com o aumento da produção, seus custos começaram a cair. Mas, ainda são mais caros que os alternativos feitos de nióbio-titânio.
Um ponto a se ponderar: os futuros tokamaks talvez abandonem o resfriamento por hélio líquido, e não é apenas por causa da complexidade do sistema de resfriamento. O hélio, apesar de ser o segundo elemento mais abundante no universo, é escasso aqui na Terra. Imaginem construir centenas de reatores do tamanho do ITER consumindo essa preciosa substância.
Resumindo o impacto dos supercondutores
Embora os supercondutores atuais tenham limitações devido à necessidade de temperaturas extremamente baixas ou pressões elevadas, eles são fundamentais em laboratórios e grandes experimentos científicos, como o LHC. Supercondutores à temperatura ambiente poderiam simplificar a engenharia desses sistemas, reduzindo custos e complexidade.
Contudo, questões quânticas, temperaturas críticas, campos magnéticos críticos e resistência estrutural representam desafios adicionais. No campo da fusão nuclear, a evolução dos supercondutores pode ser crucial para a viabilidade da energia de fusão.
A jornada rumo a supercondutores mais eficientes é um tremendo desafio, um trabalho de alto risco, de raras vitórias, mas que está provocando mudanças no mundo todo, em muitos campos da ciência!
Fonte: Nature