A greve de Hollywood chegou ao fim. Após 118 dias de paralisação, o Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists (SAG-AFTRA) chegou a um acordo preliminar com os estúdios, encerrando o que se tornou a greve mais longa na história de Hollywood.
Como resultado desta greve, a indústria de Hollywood, avaliada em mais de 130 bilhões de dólares, pode muito bem redefinir a relação entre a tecnologia de inteligência artificial e a criação de conteúdo audiovisual.
Essa disputa não era apenas uma questão de remuneração ou outros direitos dos profissionais, tinha um debate muito mais amplo e contemporâneo no centro das reivindicações: o uso da inteligência artificial nas performances de atores e as demandas por pagamentos residuais para obras transmitidas em serviços de streaming.
Neste novo acordo, que ainda precisa ser aprovado pelo conselho nacional do sindicato, as partes concordaram em termos que não foram imediatamente divulgados, mas que prometem impactar a indústria por décadas.
A greve em si, que destacou piquetes em frente aos escritórios de gigantes como Netflix, Disney e Warner Bros. Discovery, terminou na manhã seguinte ao acordo, marcando uma vitória significativa para os membros do SAG-AFTRA.
Este confronto começou em maio, com o sindicato dos escritores, o Writers Guild of America (WGA), entrando em greve, e em julho foi a vez do SAG-AFTRA. Os escritores conseguiram um acordo histórico em setembro, que estabeleceu salvaguardas contra a intrusão da IA no trabalho de escrita. O resultado dessa greve dupla, algo que a indústria não enfrentava desde 1960, foi um ponto de parada para reflexão sobre como a tecnologia está remodelando as profissões criativas.
Inteligência artificial no foco da greve de Hollywood
O ponto de tensão com a SAG foi particularmente sobre a proposta dos estúdios relacionada à IA. Os estúdios alegaram ter oferecido uma “proposta revolucionária de IA que protege as semelhanças digitais dos atores”. Em contrapartida, o SAG argumentou que a proposta permitiria que os estúdios escaneassem artistas de figuração, pagassem por um dia de trabalho e, em seguida, convertessem esses atores em personagens digitais utilizáveis ad eternum. As implicações éticas e profissionais dessa prática foram um dos maiores obstáculos nas negociações.
O debate aceso da greve de Hollywood girou em torno da proteção pós-morte dos atores e do consentimento de uso das suas imagens digitais. O SAG defendeu que os intérpretes deveriam ter um dizer sobre como seus avatares digitais seriam usados após a sua morte, além de serem compensados pelo uso contínuo de suas imagens escaneadas.
A reviravolta veio quando os estúdios finalmente concordaram em ajustar a linguagem da proposta de inteligência artificial, um movimento decisivo para alcançar o acordo. Embora os detalhes exatos do acordo não tenham sido divulgados, é razoável supor que os atores conquistaram algumas das proteções de IA que buscavam.
Além das implicações imediatas para os atores e escritores, a greve colocou em evidência uma conversa mais ampla sobre a inteligência artificial e seu impacto na sociedade. Coincidindo com a greve, o presidente dos EUA, Joe Biden, assinou uma ordem executiva ampla com o objetivo de limitar o poder do uso comercial de IA. O SAG aproveitou esse momento para enfatizar a necessidade de os trabalhadores e sindicatos permanecerem na vanguarda do desenvolvimento de políticas relacionadas à inteligência artificial.
A questão subjacente da greve de Hollywood, tanto para os escritores quanto para os atores, era a viabilidade de manter um estilo de vida de classe média frente a um modelo de negócios que parecia desatualizado. A SAG apontou a necessidade de modelos de pagamento para streaming que se equiparassem aos lucros obtidos por conteúdos transmitidos em redes de televisão tradicionais, – um ponto crítico em um cenário onde as plataformas de streaming dominam o consumo de entretenimento.
Com a conclusão das greves, há um otimismo, embora ainda relutante, de que questões fundamentais foram abordadas e que a indústria pode agora avançar para um período mais estável e justo, o que significa que as produções, desde “Gladiator 2” até “Andor”, podem retomar as filmagens.
Shawn Levy, diretor do terceiro filme “Deadpool”, comentou em agosto à WIRED, que estaria pronto para voltar às gravações no Reino Unido tão logo a greve de Hollywood acabasse. Chegou a hora!
O fim das greves é um sinal de que, embora a tecnologia continue a desafiar as normas estabelecidas, há um compromisso renovado com a proteção e valorização do elemento humano na arte do storytelling.
A greve de Hollywood chamou atenção do mundo todo, e este acordo é um marco, não apenas para os envolvidos diretamente, mas também como um exemplo de como as indústrias criativas podem negociar a integração da tecnologia de forma que respeite e compense justamente os criadores. O futuro do entretenimento, indubitavelmente, contará com inteligência artificial, mas com a perspectiva de que a tecnologia deve complementar, e não usurpar, a contribuição humana.
Fonte: Wired