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O impacto das mudanças climáticas nas pandemias do Império Romano

Qual a conexão entre as grandes pandemias do Império Romano e as mudanças climáticas? Em uma recente publicação na revista Science Advances, pesquisadores apresentaram descobertas intrigantes que lançam luz sobre esta ideia pouco explorada na história.

A pesquisa que é o resultado de uma década de estudos meticulosos, revela como períodos de clima frio e seco na península Itálica podem ter sido catalisadores de algumas das mais devastadoras pandemias já registradas, incluindo a temida Peste de Justiniano no século VI d.C.

A Peste de Justiniano é descrita pelo historiador bizantino Procópio de Cesareia como uma catástrofe quase apocalíptica, a ponto de quase aniquilar a raça humana. Estima-se que até metade da população do Império Romano – dezenas de milhões de pessoas – tenha sucumbido à pandemia, conhecida hoje como uma manifestação da peste bubônica

A doença manifestava-se primeiramente com febre, seguida de inchaços na virilha e nas axilas, evoluindo para um estado de coma ou delírio, e, por fim, a morte. Procópio reflete sobre a impotência humana diante dessa calamidade, destacando a ineficácia de qualquer intervenção conhecida na época.

No entanto, o estudo vai além da narrativa histórica e busca compreender os fatores subjacentes que poderiam ter contribuído para essas crises sanitárias. Os pesquisadores, liderados pela micropaleontóloga Karin Zonneveld, da MARUM–Centro de Ciências Ambientais Marinhas da Universidade de Bremen, na Alemanha, propõem uma correlação direta entre as mudanças climáticas e as grandes pandemias do império. Este vínculo é tão significativo que até mesmo a própria Zonneveld expressa sua surpresa diante da clareza dos resultados: “Foi um daqueles momentos em que, como cientista, você diz, ‘Uau’“.

Desvendando pandemias e o impacto das mudanças climáticas

A pesquisa adota uma abordagem inovadora para rastrear a história das mudanças climáticas da Terra, utilizando métodos indiretos conhecidos como “proxies”. Diante da ausência de registros diretos de temperatura da época, o estudo recorreu às cápsulas fossilizadas de microorganismos chamados dinoflagelados (organismos unicelulares popularmente conhecidos como microalgas), encontrados nos sedimentos do fundo do mar no Golfo de Taranto, Itália. Esses fósseis, ao serem analisados em diferentes camadas de sedimentos, permitiram reconstruir o “paleoclima” do sul da Itália de aproximadamente 200 a.C. até 600 d.C.

Os resultados são reveladores. Períodos mais frios, com temperaturas até três graus Celsius mais baixas que as máximas dos séculos anteriores, coincidiram com relatos romanos de pandemias devastadoras, incluindo a Peste Antonina (165-180 d.C.), a Peste de Cipriano (215-266 d.C.) e a Peste de Justiniano (541-549 d.C.), que se estendeu até 766 d.C. 

O estudo ressalta, no entanto, que as pandemias não foram uma consequência direta da queda de temperatura, mas sim das perturbações sociais provocadas pelas mudanças climáticas, como a escassez de alimentos e o aumento de pragas como ratos e mosquitos.

Kyle Harper, coautor do estudo e historiador da Universidade de Oklahoma, enfatiza que não são as baixas temperaturas em si que são prejudiciais, mas sim as rápidas mudanças climáticas que desestabilizam ecossistemas e sociedades. A pesquisa também aponta para a possibilidade de que as eras frias fossem globais, talvez como resultado de erupções vulcânicas em massa, embora as causas específicas para os períodos frios durante as Pestes Antonina e de Cipriano permaneçam desconhecidas.

Além de traçar um panorama científico do passado, o estudo também se destaca pela colaboração interdisciplinar, contando com historiadores e cientistas que uniram forças para interpretar e verificar as evidências dos eventos passados.

 John Haldon, historiador da Universidade de Princeton, que não participou do estudo, ressalta a importância dessa abordagem multidisciplinar, destacando o processo de verificação recíproca como um modelo de pesquisa.

Seth Bernard, estudioso da história antiga da Universidade de Toronto e que também não esteve envolvido na pesquisa, chama a atenção para a relevância deste estudo no contexto atual. As conclusões oferecem insights valiosos para as respostas modernas às mudanças climáticas e às pandemias de doenças. Ele observa que os romanos operavam muito próximos do seu limite de produção de alimentos, de modo que pequenas variações climáticas poderiam ter grandes repercussões.

A narrativa que emerge deste estudo não é apenas uma crônica sobre o passado, mas também uma reflexão importante para o presente e o futuro, diante da urgência de pensarmos o nosso momento de aquecimento global e suas consequências como as pandemias. 

Fonte: Scientific American

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