A consciência é assunto das ciências e da filosofia. Até a física está incluída nessa gama de campos do conhecimento que tentam se aproximar da questão.
Há mais de quatro séculos, Galileu Galilei fez uma descoberta revolucionária que alterou para sempre nossa visão sobre o mundo. Ele observou que muitos fenômenos do nosso cotidiano, como uma bola rolando ladeira abaixo ou um lustre balançando suavemente em uma igreja, obedecem a leis matemáticas precisas, e por isso, muitos o consideram o pai da ciência moderna.
Mas mesmo com toda a sua genialidade, Galileu apontou que nem tudo poderia ser explicado por equações e fórmulas: Coisas como cores, gostos e cheiros, ele afirmou residirem apenas na consciência. Ou seja, para ele, essas qualidades não estão realmente “lá fora” no mundo, mas existem apenas nas mentes de seres vivos como nós.
Desde os tempos de Galileu, a ciência deu saltos impressionantes. Hoje, temos uma compreensão fascinante desde as partículas mais minúsculas, como os quarks, até as vastidões do universo, como os aglomerados de galáxias, mas enquanto avançamos em tantos campos, entender a consciência ainda é um desafio gigantesco.
Neurocientistas já identificaram várias atividades cerebrais associadas a estados mentais específicos, mas a grande questão que persiste é: como é que a matéria do nosso cérebro se transforma na experiência íntima da consciência? David Chalmers, um filósofo trouxe à tona esse enigma ao questionar: “Como a água do cérebro se transforma no vinho da consciência?” E ele chamou isso de o “problema difícil” da consciência, que se resume em como e por que experiências subjetivas ocorrem a partir de um estado físico do cérebro
De uma forma simplificada esse “problema difícil” (ou “hard problem”) de Chalmers se refere à relação do que a ciência pode explicar objetivamente com o que sentimos subjetivamente. Enquanto a ciência pode explicar como certas áreas do cérebro são ativadas quando experimentamos algo (por exemplo, ver a cor vermelha ou sentir dor), não sabemos como e por que essas ativações levam a experiências subjetivas pessoais.
Esse problema se contrapõe ao chamado “problema fácil” que o autor definiu como o que envolve a explicação de funções cognitivas, como discriminar estímulos, integrar informações ou relatar estados mentais. Acredita-se que essas funções possam ser explicadas por mecanismos neurais e computacionais.
Uma nova visão sobre a consciência?
Recentemente, acadêmicos se reuniram para falar de panpsiquismo, um conceito intrigante que foi o foco de um workshop de dois dias em Marist College, em Poughkeepsie, N.Y. Duas dúzias de mentes brilhantes, entre físicos e filósofos, se reuniram para discutir se a consciência é, de fato, um aspecto fundamental da realidade.
O curioso é que essa ideia não é exatamente nova. Desde a era clássica, com Platão, até figuras mais recentes como o filósofo e psicólogo William James e o filósofo e matemático Bertrand Russell, vários pensadores já se sentiram atraídos por ela. E o que reacendeu a faísca foi o livro do filósofo Philip Goff, que tem sua versão em português chamada “O Erro de Galileu: Bases Para Uma Nova Ciência da Consciência” (lançado no Brasil em 2020 e, originalmente, em 2019). Goff não só defendeu a ideia em seu livro, mas também ajudou a organizar esse evento!
O panpsiquismo, em sua essência, propõe uma solução intrigante para o enigma da consciência, sugerindo que ela é parte fundamental do universo, tal como a carga elétrica ou a massa dos corpos. Ao invés de quebrarmos a cabeça tentando entender como a matéria inanimada se torna consciente, é como se a mente sempre estivesse lá, como um tecido entrelaçado no próprio universo.
Chalmers chegou a sugerir que até mesmo partículas individuais poderiam ter uma forma de consciência, e o neurocientista Christof Koch, em seu livro “Consciousness” de 2012 (não há a versão em português), mostrou seu posicionamento convergente, afirmando que a consciência que se concebermos que a consciência como um fenômeno real que independe de substrato, é um passo simples concluir que todo o cosmos está impregnado de senciência.
Agluns críticos do panpsiquismo argumentam que ele não explica como pequenos fragmentos de consciência se juntam para formar uma consciência mais complexa, algo chamado de “problema da combinação”. E outros, como o neurocientista Anil Seth, argumentou em seu livro de 2021, “Being You” (também sem versão em português até o momento), que a teoria é um pouco vaga e não nos leva a hipóteses que possam ser realmente testadas.
Debates sobre a teoria da consciência do panpsiquismo
Sem dúvida, o destaque do evento foi um debate público entre Goff e o físico Sean Carroll. Enquanto Goff criticava o que chamamos de “fisicalismo“, Carroll defendia-o com unhas e dentes, usando exemplos como a física dos gases para ilustrar seu ponto de vista.
Grosso modo, o fisicalismo é uma posição filosófica que sustenta que tudo o que existe é físico ou material, e que todos os fenômenos, incluindo a mente, as emoções e a consciência, podem ser explicados em termos de suas propriedades físicas e relações. Em outras palavras, esse conceito rejeita a existência de entidades ou propriedades não físicas e defende que a realidade é fundamentalmente composta por entidades físicas, incluindo a consciência, a qual se encaixaria em estados e processos mentais, sendo são idêntica ou redutível a estados e processos físicos no cérebro.
Isso significa que todos os estados e experiências mentais, desde pensamentos e emoções até percepções sensoriais, podem ser explicados em termos de interações neurais e químicas, sem necessidade de invocar entidades não físicas ou propriedades especiais para explicar a consciência.
Então, dá pra ter uma ideia de que o debate foi um autêntico duelo de titãs, com as visões contrastantes girando em torno de uma pergunta fundamental: a consciência pode ou não ser explicada apenas por fatos físicos?
Panpsiquismo: Desvendando as críticas e explorando novas perspectivas
Uma das grandes ressalvas sobre o panpsiquismo é o que os filósofos chamam de problema das “Outras Mentes”. Essa é uma questão complicada, mas que pode se resumir de um jeito simples mais ou menos assim: Sei o que se passa na minha cabeça mas e na sua? Rebecca Chan, filósofa da San José State University, fez uma comparação intrigante, questionando se o panpsiquismo não seria similar a invocar Deus para preencher as lacunas em nosso conhecimento.
Mas como o universo da consciência é vasto e variado, surgiu o conceito de “cosmopsiquismo” de Goff, que sugere um universo como um ente único dotado de consciência. Paul Draper, filósofo da Purdue University, trouxe à mesa a sua “Teoria do Éter Psicológico”, que é sutilmente diferente, o que seria, basicamente, em vez de produzir consciência, nossos cérebros a “utilizariam”, interagindo ou sintonizando-se com essa consciência onipresente, que já estivesse por aí, permeando tudo como um éter invisível (bem parecido com a ideia de inconsciente coletivo do Carl Jung, né?).
O psicólogo cognitivo Donald Hoffman, por outro lado, sugere que devemos repensar nossas ideias de espaço e tempo, e que essas ideias podem não ser fundamentais. Ele propõe algo mais profundo, relacionado à consciência, que estaria além dessa realidade que conhecemos, ou seja, da realidade localizada espaço-temporalmente, sugerindo, em seu artigo Fusion of Consciousness, a consciência como um fenômeno emergente, independente de conceitos anteriores (como do espaço e do tempo).
Já o físico Lee Smolin também tem uma abordagem interessante, que desenvolveu em seu artigo de 2020, onde postula que o universo seria um conjunto de visões parciais, dando mais destaque para os “agentes conscientes”, o que, segundo ele, pode ser uma teoria entendida como uma espécie de panpsiquismo.
Contrapondo-se a tudo isso, Sean Carroll, chegou a dizer que às vezes se sentia como um peixe fora d’água. Ele é um defensor de uma interpretação de “muitos mundos” da mecânica quântica, que postula que o nosso mundo é só uma faceta de um multiverso quântico. E, embora ele reconheça que existem nuances sobre a realidade, ele fervorosamente de uma interpretação mais tradicional, da realidade física ser o que é, nada além disso.
Essa teoria defendida por Carroll foi proposta por Hugh Everett III em 1957. Trata-se uma interpretação da mecânica quântica que sugere que todas as possíveis outcomes de uma medição quântica realmente ocorrem em universos ou “mundos” paralelos. Em vez do tradicional “colapso” do estado quântico durante uma medição (clica aqui pra entender que “medir” em física quântica não é “só medir”), Everett argumenta que cada possível resultado de uma observação quântica corresponde a um universo distinto. Assim, há uma incessante bifurcação de universos, resultando em uma infinidade de realidades paralelas para cada possibilidade quântica.
Por falar em física quântica… Onde ela se encontra com a filosofia? Clica aqui pra ler sobre o assunto!
Mas qual a conclusão sobre a consciência?
A intenção aqui não é decepcionar ninguém, mas feliz ou infelizmente, não há nenhum consenso ou comprovação sobre o que é a consciência.
E sabe onde tudo isso nos leva? À ética. Goff, por exemplo, acredita que a maneira como vemos a mente pode ter implicações reais em como tratamos outros seres. Pense em um peixe: ele sente dor? Para Goff, o que realmente importa é o mundo interior do peixe, o que o peixe realmente sente. Carroll, por outro lado, vê um vínculo claro entre comportamento e sentimento, o que implicaria em diferentes comportamentos.
Para Carroll, por exemplo, seria errado expor um peixe a uma situação em que seu comportamento apontasse que ele está sentindo dor. Já para Goff, o que o peixe sente, independe de como ele se comporta, o que torna mais difícil saber como agir.
Para Anil Seth, o ponto de vista físico ainda é o mais fundamentado, e ele questiona a capacidade do panpsiquismo de realmente esclarecer questões fundamentais sobre a consciência, como em situações de coma, anestesia geral ou quando só estamos dormindo. Para ele, o pansiquismo também não diz nada sobre “a vermelhidão do vermelho” na experiência subjetiva ao dizer que a consciência é onipresente.
E entre os defensores do panpsiquismo, há uma hesitação. Yanssel Garcia,filósofo da Universidade de Nebraska Omaha, por exemplo, está aberto à ideia de que talvez esteja errado sobre o conceito.
No fim das contas, é essa abertura para o desconhecido, esse desejo constante de aprender e questionar, que nos faz avançar na compreensão da consciência.
Embora essas discussões pareçam muito abstratas e, para muitos, até mesmo sem valor prático, a coisa não é bem assim, e não é à toa que mobilizam filósofos e cientistas de tantas áreas. Se estendermos as observações do peixe, por exemplo, para o ser humano, isso pode esclarecer muito sobre nossos direitos, deveres, sentimentos, comportamentos e relações. Pense por um momento: Um ser consciente tem os mesmos direitos que um ser que não tem consciência?
É por isso que essas discussões são sempre tão acaloradas e, de fato, muito importantes. Isso nos guia para entendermos como estruturar a nossa vida prática, partindo de um ponto abstrato para as questões éticas!
Fonte: Scientific American