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Uma porta de entrada clássica para o universo quântico? Veja o que o aprendizado de máquina tem a ver com isso!

Sabe quando você tenta entender o universo quântico e se sente como se tivesse sido arremessado em um episódio de “Black Mirror”? Bem-vindo ao clube. A coisa toda é totalmente contra-intuitiva. Os conceitos de espaço e tempo que aprendemos na escola simplesmente não se aplicam tão bem quando estamos falando de física subatômica. É como se o universo tivesse um conjunto secreto de regras para as coisas minúsculas e só nos mostrasse as coisas grandes.

E aí tem os computadores quânticos, com a promessa de nos ajudar a desvendar esses mistérios, teoricamente nos permitindo explorar interações moleculares para criar novos medicamentos e materiais. Nosso mundo é composto por essa realidade quântica, é importante compreender isso para identificar o que podemos tirar desse universo subatômico.

Mas temos um “porém”. Os dispositivos quânticos atuais ainda não estão totalmente à altura da tarefa de desvendar esses mistérios todos, por não conseguirem executar um grande número de interações quânticas. Por enquanto, nossos bons e velhos computadores clássicos são o que temos quando se trata de resolver problemas práticos, mesmo que façam isso de forma um pouco ineficiente. E esse é um desafio a ser superado por cientistas da física quântica.

Acontece que talvez não precisemos esperar os computadores quânticos atingirem sua plenitude, há uma espécie de “jeitinho” surgindo para lidar com o universo quântico. Alguns estudos recentes estão mostrando que podemos usar nossos computadores clássicos para modelar e prever comportamentos quânticos. É uma combinação incrível entre modelagem quântica e algoritmos de machine learning (aprendizado de máquina).

Experts no assunto, como o físico da Universidade da Califórnia, em San Diego, Yi-Zhuang You, acreditam que essa abordagem pode mudar fundamentalmente o campo da pesquisa. 

As buscas por meios de lidar com o universo quântico

Em nossas buscas incansáveis para decifrar os enigmas da física subatômica, os pesquisadores têm enfrentado obstáculos desde os primórdios.

Desde 1989, uma tentativa contínua tem sido usar computadores clássicos para prever estados quânticos. E isso é feito assim: um sistema quântico com n qubits (o equivalente quântico de um bit) pode ser traduzido para um formato clássico usando uma matriz de números 2n. O problema é que a complexidade deste método cresce exponencialmente, tornando-se rapidamente impraticável à medida que a matriz cresce.

Em 2017, o cientista da computação Scott Aaronson lançou a ideia de que talvez não precisemos dessa representação clássica completa de um complexo sistema quântico. Em vez disso, poderíamos nos concentrar em apenas um subconjunto dessa representação. Esta proposta abriu novos caminhos para pesquisadores em todo o mundo.

Em 2020, dois físicos, Hsin Yuan (Robert) Huang e Richard Kueng, deram um salto monumental ao desenvolver uma técnica prática inspirada no conceito de Aaronson. Eles conseguiram prever inúmeras características de um estado quântico usando um número surpreendentemente pequeno de medições, introduzindo um conceito chamado de “sombra clássica”, que se trata de uma representação clássica sucinta do sistema quântico, parecido com como uma sombra real nos dá: pistas sobre o objeto que a projeta, mas não todos os detalhes.

O renomado físico teórico John Preskill, que se juntou a Huang e Kueng nessa jornada, colocou em palavras simples: temos que focar nossos esforços na previsão de observáveis quânticos específicos. E há boas notícias nessa abordagem: ela precisava de menos dados de treinamento. Para prever determinadas propriedades do sistema, é preciso um número de medições que cresce apenas de forma logarítmica com o número de propriedades.

Um sistema que “cresce de forma logarítmica” refere-se a um padrão de crescimento que, em vez de acelerar rapidamente (como o crescimento linear ou exponencial), desacelera à medida que a variável independente aumenta. Especificamente, um crescimento logarítmico está relacionado com o logaritmo de um número.

Para dar um exemplo de como isso é aplicado, pense na escala do tempo em que os terremotos são medidos – a escala Richter. Esta escala é logarítmica. Isso significa que um terremoto de magnitude 5 não é apenas 5 vezes mais potente que um de magnitude 1; é, na verdade, 10^5 (ou 100.000) vezes mais potente.

Outro exemplo comum de crescimento logarítmico é quando se duplica a quantidade de informação que você possui (digamos, número de livros, células, dinheiro, etc.) e o tempo para dobrar novamente essa quantidade aumenta.

No que foi proposto por Preskill, estamos tratando da quantidade de dados. Portanto, isso significa que os pesquisadores podem obter informações significativas e previsões sobre o sistema quântico sem a necessidade de coletar uma quantidade exorbitante de dados, tornando o estudo desses sistemas mais gerenciável e eficiente.

Xie Chen, colega de Preskill no Caltech e um observador externo deste estudo disse que a ideia de Robert é genial e que os dará uma enorme vantagem ao aprender sobre o sistema com amostragem aleatória de dados que pode fornecer uma representação precisa do sistema como um todo.

E os resultados já começaram a aparecer. Essas “sombras clássicas” foram empregadas para conduzir a simulação de química quântica mais extensa até agora. Pesquisadores usaram um algoritmo clássico em um computador quântico ruidoso e sujeito a erros para sondar as forças atuando em um cristal de diamante.

Mas a ciência sempre aponta que há mais a descobrir, e Huang e sua equipe estão agora olhando além das análises dos sistemas estáticos, e querem estudar sistemas quânticos em fluxo, investigando as mudanças ao longo do tempo, o que até poderia fornecer insights mais profundos sobre como esses sistemas operam, mas a quantidade de dados a processar é assustadora. Felizmente, outra ferramenta tem ganhado popularidade para tarefas assim: o aprendizado de máquina (machine learning).

O treinamento dos modelos de aprendizado de máquina

Quando utilizados em sistemas quânticos, o aprendizado de máquina às vezes errava, às vezes acertava, nem sempre oferecendo a precisão necessária para que se confiasse plenamente no seu desempenho. O aprendizado de máquina geralmente avança através de tentativa e erro, por isso, para otimizar o sistema seria preciso não só o tipo certo de dado, mas também uma grande quantidade dele para colher informações valiosas.

Um trabalho notável de Huang, em parceria com a equipe do Google Quantum AI, veio para dar uma luz, revelando que, ao alimentar algoritmos de aprendizado de máquina clássico com uma quantidade suficiente de dados quânticos, eles se tornam eficientes o suficiente para modelar sistemas quânticos.

O principal desafio a ser superado é que mesmo com todo o seu poder, os modelos de aprendizado de máquina ainda são fundamentalmente clássicos. Eles estão para o universo quântico assim como nós estamos para os mistérios inexplorados do espaço: podemos vislumbrar sua grandeza, mas não podemos verdadeiramente vivenciá-la. Dito de outra forma, sistemas de aprendizado de máquina clássicos não podem processar dados genuinamente quânticos e produzir estados quânticos. 

Huang e sua equipe então propuseram uma solução: usar sombras clássicas para transformar informações quânticas em dados clássicos, possibilitando treinar um modelo para prever propriedades de novos sistemas quânticos.

Jarrod McClean, cientista da computação da Google Quantum AI, resumiu essa inovação como a criação de um “mapa quântico“, ligando entradas e saídas quânticas, ambas representadas por sombras clássicas, uma forma inteligente de manter a complexidade gerenciável

E parecia que estávamos quase lá, até Huang nos trazer de volta à realidade: apesar do método necessitar apenas de um número polinomial de pontos de dados para fazer previsões precisas, esse número era astronomicamente grande. 

Em termos práticos, precisar de “um número polinomial de ponto de dados” sugere que embora o número de pontos de dados necessários possa aumentar à medida que a entrada cresce, esse aumento é mais “gerenciável” do que se fosse, por exemplo, exponencial. Mas Huang pontuou que ainda que fossem necessários menos dados, esse volume ainda era grande demais.

Uma esperança surgiu durante um workshop na Universidade da Califórnia, Berkeley quando uma estudante do grupo de Preskill, Laura Lewis, apresentou uma solução engenhosa. Enquanto modelos anteriores não levavam em conta a geometria do sistema quântico, o método de Laura o fazia. Em vez de se perder na vastidão das interações entre todos os qubits, ela focou nas interações locais, entre qubits vizinhos. Com essa perspectiva, era necessário muito menos dados para treinamento, tornando finalmente viável na prática a previsão de propriedades do sistema quântico.

E se o universo for um grande sistema quântico? Já pensou sobre isso? Clica aqui!

O futuro do aprendizado de máquina ao universo quântico

McClean enfatizou o quão inovadora é a pesquisa de Lewis, oferecendo um meio para que se possa compreender quanto de informação precisamos coletar de um sistema físico para produzir previsões confiáveis.

Com base em seu trabalho sobre aprendizado de máquina e sombras clássicas, Huang usou um algoritmo aprimorado. Ao fazê-lo, ele se lançou em estudos de sistemas quânticos ativos com uma economia notável de dados.

Preskill vê um futuro onde a computação quântica não se destina principalmente a aplicações comerciais, mas sim à exploração científica. Uma previsão ousada, mas que parece não estar distante de se concretizar.

Por mais que isso possa gerar entusiasmo, é bom lembrar que os métodos revolucionários propostos por Huang e Lewis ainda estão aguardando validação rigorosa através de experimentos laboratoriais. Chen nos adverte que nossos sistemas experimentais não são perfeitos, eles vêm com uma mala cheia de erros de medição e imprecisões, desafios que ainda precisam ser superados.

Ainda assim, a ideia de sombras clássicas dá aos pesquisadores uma nova ferramenta para tentar compreender o domínio teórico quântico. Será que essas sombras são suficientes para desvendar toda a complexidade quântica? Existem propriedades ou dinâmicas quânticas que sempre estarão além de nosso alcance? 

Soonwon Choi, físico do MIT, elogia os esforços inovadores de nossos pesquisadores, reiterando que eles pavimentaram o caminho para nos fazer ponderar sobre essas questões complexas.

E quem sabe? Como Preskill sugere, talvez haja um dia em que os pesquisadores tenham dados experimentais suficientes para prever características de sistemas nunca antes investigadas em laboratório. Este é o grande objetivo de aplicar aprendizado de máquina à física quântica. E com os avanços que já vimos, estamos no caminho certo para fazer previsões precisas em determinados cenários.

O universo quântico é maluco, né? Algo que está na realidade mas não podemos perceber. Quem sabe essa abordagem “clássica” possa ser a porta de entrada para nos aproximarmos dessa complexidade toda…

Fonte: Quanta Magazine

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